
Foi instalada nesta terça-feira (4), no Senado Federal, a Comissão Parlamentar de Inquérito do Crime Organizado. À primeira vista, soa como uma resposta rápida à crise da segurança no Rio de Janeiro depois de mais de 120 mortos em uma só operação, sendo quatro deles policiais, e do país inteiro boquiaberto com o nível ao qual chegou o poder das facções. Mas a verdade é que não há pressa nenhuma nisso: o problema é antigo, profundo e confortável demais para quem deveria enfrentá-lo há décadas.
A CPI nasce não dessa tragédia recente, mas da consolidação de um poder paralelo que se espalhou de tal forma que já se confunde com o próprio Estado. Milícias e facções não dominam apenas territórios, dominam votos, verbas, contratos e até a retórica política. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mais de 10% da população brasileira vive hoje sob controle direto de grupos criminosos. São milhões de pessoas que acordam e dormem em territórios onde quem dita as regras não é o Estado, é o fuzil.
A presidência da Comissão ficou com o senador Fabiano Contarato (PT-ES), eleito por 6 votos a 5, numa vitória apertada da base governista sobre o bolsonarismo de Hamilton Mourão (Republicanos-RS), que será o vice. A relatoria coube a Alessandro Vieira (MDB-SE), um ex-delegado de carreira, autor do requerimento e nome de credibilidade quando o assunto é segurança pública. Um bom sinal, desde que o Congresso o deixe trabalhar.
O objetivo formal é investigar o financiamento e a lavagem de dinheiro das facções, o domínio territorial das organizações criminosas e a infiltração de agentes públicos nesse sistema subterrâneo. O objetivo real, porém, só o tempo dirá. E a dúvida legítima do momento é se o Senado quer mesmo enfrentar o crime organizado ou vai transformar o tema em palanque eleitoral, um palco para frases de efeito e vídeos de WhatsApp.
O risco é conhecido. O Brasil tem um talento quase artístico para transformar CPIs em reality shows. O microfone pesa mais que o relatório e o marketing pesa mais que a investigação. O resultado, invariavelmente, é o mesmo: manchetes durante semanas e nada que mude o chão de onde brota o crime.
Mas, se conduzida com seriedade, com audiências públicas, convocação de autoridades, cruzamento de dados e propostas concretas de reforma legislativa, essa comissão pode marcar um ponto de inflexão.
Porque o que está em jogo não é só a guerra no Rio, é o país inteiro sendo lentamente corroído pela simbiose entre crime e poder. O que as facções entenderam, há muito tempo, é que não precisam derrubar o Estado, basta se infiltrar nele. E é justamente isso que o Congresso precisa ter coragem de admitir e de combater antes que as próximas CPIs sejam convocadas pelos próprios criminosos.


