
Pouca coisa faz sentido no Brasil se nós formos analisarmos o país pelo que se espera de um país normal. É preciso pegar emprestadas as lentes do surrealismo fantástico para ler o país. Neste fim de semana, o ministro Luís Roberto Barroso, no meio do seu processo de despedida da presidência do Supremo Tribunal Federal, resolveu fazer um balanço dos julgamentos do 8 de janeiro numa entrevista à GloboNews. No meio da conversa, admitiu a possibilidade de que os crimes de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado democrático de direito possam ser tratados como um só. Agora.
Na prática, de acordo com ele, isso significa redução de pena para os chamados “bagrinhos” — expressão usada pelo próprio Barroso para se referir aos condenados que participaram da balbúrdia, mas não do planejamento de tudo. Para eles, a prisão poderia cair para algo em torno de dois anos, o suficiente para que deixassem a cadeia mais cedo. Mas Barroso foi claro: essa conta não vale para quem financiou, organizou ou comandou a tentativa de golpe.
Esse raciocínio é praticamente idêntico ao que o relator no Congresso, o deputado Paulinho da Força, vem defendendo no chamado PL da Dosimetria. A ideia não é anistia ampla, mas uma graduação mais razoável das penas, distinguindo quem foi massa de manobra de quem foi cérebro da operação.
Até a semana passada, esse projeto parecia ter subido no telhado. Dividia Câmara e Senado, tinha apoio do Planalto, mas faltava um sinal do Supremo. Agora, com Barroso dando sua bênção à tese, a proposta pode voltar a ganhar força.
O que se desenha, portanto, é uma solução de meio-termo: o STF admite alguma flexibilidade na dosimetria, o Congresso recua da anistia total, os “bagrinhos” ganham um alívio, mas os chefes não escapam. É a velha arte da política brasileira de negociar até o imponderável.
A diferença é que, nesse caso, a negociata pode ter um efeito positivo: contribuir para uma pacificação que não confunda perdão com esquecimento, nem impunidade com justiça.
Mas convém não se empolgar. Ainda é segunda-feira, e a política brasileira continua sendo um eterno episódio de Saramandaia, onde tudo pode acontecer.





