
Todo ano, no verão europeu, parte do alto escalão da República se desloca para Lisboa para participar do chamado "Fórum Jurídico de Lisboa", evento promovido pelo Instituto de Gilmar Mendes. É o “Gilmarpalooza”, como ironicamente ficou conhecido o convescote. Lá, entre palestras e jantares, ministros do STF, parlamentares, governadores, empresários e advogados se encontram para celebrar e discutir. O quê, exatamente? Não se sabe. Em teoria, o tema do ano é “o mundo em transformação”.
É curioso — e ao mesmo tempo deprimente — notar como tantos figurões do Executivo, do Legislativo e do Judiciário se sentem à vontade no palco europeu. Como se em Portugal fosse permitido tudo aquilo que, no Brasil, ainda se finge condenar. O evento serve café e impunidade. Trocam-se afagos, promessas e futuras sabatinas. Há ministros do Supremo que discursam para ministros de Estado, que depois jantam com senadores, que por sua vez negociam com advogados que litigam diante daqueles mesmos ministros.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, diante das críticas, lamentou que “as pessoas só veem o lado negativo das coisas”. Talvez ele se refira ao brunch com lobby, à troca de cartões entre julgadores e julgados, aos jantares com sabatinadores e sabatinados, aos painéis que reúnem quem decide e quem é decidido. Talvez ele queira que vejamos o lado positivo de um evento que mais parece um festival de articulações inconfessáveis. Talvez o problema seja mesmo o nosso mau humor cívico, essa mania desagradável de exigir decoro.
A promiscuidade institucional virou método e o vexame virou rotina. E a gente paga por parte da festa, claro. No ano passado, foram gastos mais de um R$ 1 milhão entre passagens e diárias custeadas com dinheiro público. A conta deste ano ainda não foi feita, mas pelo menos seis senadores tiveram suas expensas pagas pelo Senado.
Gilmar Mendes, claro, é o maestro da orquestra. Consegue a proeza de transformar um evento privado, com recursos opacos e interesses difusos, em um palco público de prestígio. É um juiz com poder de rei e com hábitos de anfitrião. Convida, media, intermedia.
E a República, submissa, comparece em peso.
O Brasil virou esse lugar em que um juiz supremo pode organizar, com pompa e circunstância, um festival de bastidores, onde todos sabem o que se negocia, mas ninguém diz o que se combina. E depois, quando voltam, fazem cara de seriedade para julgar, legislar ou governar.
Lisboa virou apenas um retrato do que somos: uma democracia cínica, onde a liturgia do cargo é só o figurino da farsa e a República viaja em classe executiva para se reunir atrás das cortinas com dinheiro do contribuinte.