
Tem muito assunto relevante para ser abordado na coluna desta semana. Mas na sexta-feira (13) acordei com a Gaúcha no rádio, como de costume, e me peguei pensando no meu avô, Paulo Sant’Ana. Ele, que nasceu num 15 de junho como este domingo, jurava de pés juntos que era a reencarnação de Freud. Justificava com convicção: o pai da psicanálise morreu nesse mesmo dia. Eu, para provocá-lo, retrucava que, se fosse assim, eu só podia ser Camões reencarnado, já que nasci no dia 10, mesma data da morte do patrono do português, em 1580. Uma família humilde, como se vê. Nada de vaidade por aqui.
Meu avô estaria completando 86 anos neste fim de semana. Ele faleceu em 2017, mas já tinha deixado de escrever na última página deste jornal — que ocupou por mais de 40 anos — algum tempo antes. Não tivemos a chance de ler o que ele escreveria sobre a ascensão da loucura distópica que assolou este país e o mundo na última década. Tampouco pudemos ouvi-lo na rádio comentando a terrível enchente de maio passado, que devastou o Rio Grande que ele tanto amava.
Quando fui convidado pela RBS para escrever nesse antológico jornal, muitos me perguntaram como eu lidaria com as comparações. Se estava preparado para os comentários inevitáveis, se não corria o risco de imitá-lo. A verdade é que, sem querer, passei boa parte da vida imitando o vô. Não por vaidade ou desejo de projeção, mas por dois motivos mais simples — e menos psicanalíticos: genética e inspiração.
Eu não escolho levar o cigarro à boca com o mesmo trejeito que ele levava, isso é genética. Mas escolho dizer o que penso com franqueza, sem medo de ser mal interpretado. Escolho defender minhas posições com transparência, assumindo com honestidade o lugar de onde falo.
Meu avô foi um imenso jornalista, ainda que sem diploma da profissão. Dizer que ele foi o maior da história do jornalismo gaúcho pode soar cabotino, vindo de um neto. Mas justamente pelo peso do legado que me foi imposto, seria ainda mais estranho da minha parte negar.
Hoje, com o orgulho imensurável de poder dizer o que penso nestas mesmas páginas e falar o que penso nas mesmas ondas de frequência de rádio que o Sant’Ana, posso finalmente responder àquela pergunta: não, não é difícil lidar com as comparações. No íntimo, no mais íntimo mesmo, eu adoro ser comparado a ele.
A música Guri, de César Passarinho, fala da saudade de um filho por seu pai e tem um verso que me emociona todas as vezes: “lenço vermelho e guaiaca compradas lá no Uruguai, que é pra que digam quando eu passe: saiu igualzito ao pai”. Não tenho a pretensão de ser o que ele foi, nem de representar o que ele representou. Mas se, vez ou outra, alguém me enxerga com os olhos que um dia pousaram sobre ele, se algum leitor reconhece em mim um traço, um gesto, uma linha do Sant’Ana, então já valeu. Porque viver à altura de quem nos inspirou é impossível. Mas tentar é uma forma bonita de seguir amando.