
Em tempos de democracia, o que define um governo autoritário não é só a censura escancarada. Às vezes, ela vem com crachá funcional, papel timbrado e a desculpa de sempre: “ofensa à honra”. Foi esse o argumento que Lula usou ao acionar a Advocacia-Geral da União — aquela que deveria defender o Estado brasileiro — para processar Ciro Gomes por críticas feitas ao controverso programa "Crédito do Trabalhador''.
Ciro disse que o projeto era uma negociata para enfiar os trabalhadores em dívidas, e disse imaginar o quanto de propina não deveria ter rolado nos bastidores do lançamento da iniciativa. Nada exatamente novo no vocabulário de Ciro, que rotineiramente faz denúncias sem parecer temer por fazê-las. Mas a resposta do presidente não foi política. Foi judicial. E pública. Usou a AGU, um órgão do Estado, para mover um processo pessoal. Isso, num país sério, seria inadmissível. No Brasil, virou protocolo.
Não importa se Ciro exagerou. O que importa é que ele falou como figura pública, sobre um projeto público, com argumentos políticos. E o que se espera, nesse caso, é que o debate seja feito com palavras, não com intimações.
Porque o problema aqui não é o estilo do Ciro. É o método do Lula. Quando um presidente aciona a máquina do Estado para perseguir um adversário, ele não está defendendo sua biografia, está usando-a como escudo para atacar a liberdade de crítica.
Imagine, por um segundo, se fosse Bolsonaro processando Guilherme Boulos com a ajuda da AGU. A reação seria imediata: gritaria, editorial, alerta vermelho nas instituições. Chamariam o lawfare pelo nome que ele tem. Mas como é Lula, vem sempre aquela condescendência carimbada sobre eventuais exageros de Ciro Gomes.
Ciro que eventualmente pode exagerar, mesmo. Mas exagero não pode ser tratado como crime. Porque se criticar presidente, ainda que com veemência, virar motivo de processo movido com dinheiro público, a gente troca o debate pelo silêncio. Troca a democracia pelo medo. Troca a divergência pelo cuidado com as palavras, aquele tipo de cuidado que ninguém precisa ter quando elogia.
Liberdade de expressão não é o direito de falar bonito. É o direito de falar. E quando um governo começa a processar quem fala, o problema não é só o autoritarismo. É o precedente. Porque hoje é com Ciro. Amanhã, pode ser qualquer um de nós.