
O Brasil tem um talento raro e profundamente inquietante de transformar as suas maiores tragédias em comédia de auditório. A história recente virou um looping de escândalos tratados como memes, de crimes debatidos como “narrativas” e de golpistas posando de comediantes. O caso mais recente? Um ex-presidente da República, diante do Supremo Tribunal Federal, faz piada sobre escolher como vice nada menos que o ministro responsável pelo inquérito que pode colocá-lo atrás das grades. Fosse um roteiro de humor, seria medíocre. Sendo a realidade, é só patético.
Mas não foi só piada. Foi uma performance completa. Bolsonaro, mais uma vez, usou a toga alheia como palanque e a gravidade dos autos como escada para o populismo mais rasteiro. Em vez de negar, como sempre fez, resolveu confessar. Com todas as letras, admitiu que levou aos comandantes militares “estudos constitucionais” para debater saídas pós-eleição. Estudos. Como se o problema tivesse sido acadêmico, e não institucional. Como se a questão fosse uma curiosidade teórica, e não uma tentativa escancarada de ruptura. Como se golpismo com nota de rodapé fosse menos golpismo.
A frase em si já é um monumento à contradição. Não existe saída constitucional para impedir a posse de alguém eleito democraticamente. O termo “saída constitucional” para um resultado que já era constitucional é um daqueles absurdos que nem Orwell pensaria em escrever. Quando esse tipo de “estudo” é apresentado a militares da ativa, então, não estamos mais no campo das ideias. Estamos no campo da ameaça. E não custa lembrar que “Forças Armadas” têm esse nome porque são... armadas. Quando o argumento chega pela farda, ele nunca vem sozinho: vem com o peso da coerção.
Mais do que uma confissão, foi uma banalização da gravidade. O tom de “levei umas ideias”, “uns papéis” — como se estivesse apresentando um trabalho em grupo no Colégio Militar —é a tentativa final de esvaziar o que é, de fato, um atentado à ordem constitucional. E o Brasil, do alto da sua tolerância histórica com rupturas, parece prestes a fazer o mesmo que fez com tantas outras tentativas de golpe: rir, esquecer e eventualmente repetir.
Porque é isso que estamos fazendo. Enquanto Bolsonaro transforma o STF em palco e o depoimento em stand-up, o país segue embaralhando as noções de responsabilidade, verdade e consequência. Um ex-presidente sai do tribunal dando risada e uma parte do país ainda acha que isso é esperteza, e não desespero; que é carisma, e não covardia; que é estratégia, e não fuga.
Ele mesmo disse: “a história julgará cada um de nós”. É verdade. A história julga com mais frieza do que os tribunais e mais justiça do que as redes sociais. A história não se emociona com vídeo editado nem com postagem de aliado. A história não precisa de like. A história pesa. A história demora. Mas quando chega, ela chega definitiva.
O julgamento final, no entanto, não será feito apenas por ministros nem por historiadores. Será feito por nós, pela nossa capacidade de distinguir o cômico do criminoso, o improviso do planejamento, o meme da memória. E se a gente continuar achando graça de tudo, o
Brasil vai continuar sendo o mesmo palco triste de sempre onde as piadas não têm graça, os palhaços são armados e o espetáculo nunca tem fim.