
Na Câmara dos Deputados, onde se deveria debater o país, seguimos encenando o Brasil. E a sessão desta semana foi mais um desses capítulos em que o enredo se dissolve sob os gritos, o palco vira ringue e os personagens não se entendem nem sobre o gênero do espetáculo. Uns acham que estão num seminário. Outros, numa live. E o povo, que só queria um país minimamente funcional, assiste, incrédulo, mais uma performance de mau gosto.
O ministro Fernando Haddad compareceu à audiência pública para tratar de temas sérios: o rombo do INSS, o aumento do IOF, os reflexos do Pixgate, as contas públicas e seus furos cada vez mais explícitos. Mas, assim que tentou explicar sua versão para o caos fiscal, foi interrompido por um coral de indignações coreografadas. Virou alvo não de perguntas, mas de provocações. Uma tentativa de desabafar virou um bate-boca. Uma análise econômica virou pretexto para briga.
Do outro lado estavam os deputados Nikolas Ferreira e Carlos Jordy. Eles não são exatamente conhecidos pela paciência de quem lê relatórios técnicos ou acompanha votações em comissões. São especialistas em cortes — não os orçamentários, mas os de vídeo. Nikolas, por exemplo, fez uma pergunta, ignorou a resposta e saiu da sala com a pose de quem venceu uma batalha, embora não se saiba bem qual. Jordy, por sua vez, tratou a audiência como um palco improvisado para mais um ato de indignação genérica, sem qualquer compromisso com o debate substantivo.
O problema, como quase sempre, é que ninguém ali pareceu interessado na plateia que não aparece nas câmeras: o cidadão comum. Aqueles que precisam entender, de verdade, o que será feito com os seus impostos, o que está acontecendo com o INSS, o que significa esse aumento do IOF, qual é o rumo possível para um país que alterna cortes de verba com discursos inflacionados.
O que se viu foi um espetáculo de vaidades. Um ministro que, por mais culto que seja, pareceu perder a compostura no momento em que mais precisava demonstrá-la. E dois deputados que tratam o plenário como cenário de TikTok, onde a verdade pouco importa desde que a imagem renda engajamento.
Haddad, que já foi professor universitário e prefeito de uma das maiores cidades do país, deveria saber que lidar com a “turma do fundão” exige mais estratégia do que sarcasmo. Ao chamá-los de “moleques” e tentar devolver as provocações com ironia, acabou descendo ao nível que dizia criticar. Os deputados, por sua vez, mostraram que não querem dados, nem diagnóstico. Querem cliques. E, de preferência, sem tempo de leitura superior a 15 segundos.
É curioso como, nesse teatro disfuncional, todos os lados saem achando que venceram. Os parlamentares ganham seus trechos editados para as redes, com a hashtag de indignação pronta. O ministro sai com a imagem de quem enfrentou a oposição, ainda que aos berros. E a economia segue sangrando em silêncio. Ninguém ali discutiu uma solução concreta.
Ninguém explicou por que o governo aumentou o IOF. Ninguém disse o que será feito com o buraco no INSS. Só se ouviu o eco de frases de efeito, construídas não para convencer, mas para viralizar.
No fim das contas, o Brasil parece mesmo ter virado um lugar onde ninguém ouve ninguém, mas todo mundo fala alto. Onde a vaidade substitui o argumento, o improviso se sobrepõe ao estudo e o cidadão — aquele que trabalha, paga impostos e ainda tenta acreditar no país — é apenas o figurante mudo da peça. Se ao menos ele pudesse pedir o reembolso do ingresso…