
Quando comecei a escrever diariamente sobre o mundo e o Brasil, muita gente me perguntou se seria difícil encontrar assunto novo todos os dias. A resposta, infelizmente, é simples: o mundo não para de produzir absurdos. E o Brasil, como sempre, faz hora extra nesse ofício.
Ontem, o Papa Leão XIV falou sobre paz. A fala foi bonita, profunda e, para os dias de hoje, quase subversiva. Disse que a guerra nunca é inevitável. Que os heróis da história são os que semeiam a paz e não os que colecionam vítimas. E que os outros, os tais "inimigos", não devem ser odiados, mas ouvidos. Gente que pensa diferente, mas ainda assim é gente.
Era para ser só mais uma mensagem papal, dessas que emocionam e passam. Mas, diante do noticiário internacional, soou como um grito no meio de um tiroteio. Porque o que se vê ao redor é exatamente o oposto: o mundo sendo comandado por ególatras, racistas, autocratas e psicopatas que tratam a paz como fraqueza e o diálogo como rendição.
Donald Trump, por exemplo, esteve em Riad, na Arábia Saudita, posando para fotos com Mohammed bin Salman, o príncipe que esquarteja jornalistas como quem apaga postagens. E ali, no salão dourado do palácio, Trump anunciou que vai suspender as sanções americanas contra a Síria, após um encontro intermediado pelo próprio esquartejador saudita e pelo sociopata turco, Recep Erdogan.
O interlocutor sírio foi Ahmad Al Sharaa, presidente interino da Síria que até ontem respondia como terrorista. E Trump, sem constrangimento, disse que tomou a decisão sob influência dos dois amigos da Arábia Saudita e da Turquia. É isso: o líder do país mais poderoso do planeta agora negocia a “paz” mundial com os padrinhos do terror global.
Mais à direita do mapa — o mapa de verdade, não aquela excrescência proposta nos últimos dias pelo IBGE — , Lula não ficou muito atrás. Passou os últimos dias entre Vladimir Putin e Xi Jinping, dois homens que prendem, torturam, silenciam. Disse que o Brasil é neutro e que a Rússia está disposta a negociar. Isso enquanto evita, claro, com muita dedicação, usar as palavras “invasão” ou “terrorismo” quando o contexto exige.
É a diplomacia da selfie, do cenário bem montado, do discurso alinhado com o algoritmo. O Brasil posa de potência democrática, mas anda de mãos dadas com regimes que não toleram oposição nem liberdade. Lula, ao fazer esse alinhamento ideológico, não comete apenas um erro estratégico, comete um erro moral. Porque não é só política externa. É princípio. É valor.
Uma coisa é a parceria comercial. Outra coisa é o alinhamento ideológico.
Enquanto o Papa fala em diálogo, nossos líderes se encantam com os algozes do diálogo. E a paz, que nunca foi fácil, se torna cada vez mais improvável. Porque não falta quem fale por ela. Falta quem queira ouvir.