
A quarta-feira (21) foi um dia agitado em Brasília. E isso, por si só, já deveria acender alertas. Porque quando o Congresso Nacional trabalha muito, quase sempre é melhor esconder a carteira. Ontem foi assim: uma enxurrada de decisões, manchetes, votações e nenhuma sensação de alívio ao fim do dia. Ao contrário. A impressão que ficou foi a de que o Brasil, mais uma vez, andou em círculos dentro do labirinto de privilégios que protege os que decidem.
Na Câmara, quase 400 deputados votaram a favor de reajustes salariais e da criação de milhares de cargos no Executivo. Isso mesmo: mais gente na folha, mais custo no orçamento, mais peso pra quem sustenta tudo isso do lado de cá. O impacto estimado é de R$ 18 bilhões no ano que vem – isso num governo que se vende como austero, mas que estoura a fatura com a mesma facilidade com que estica uma promessa.
No Senado, foi a vez de empurrar a toque de caixa a Lei Geral do Licenciamento Ambiental, um projeto complexo, com impacto profundo no território e na indústria, que merecia cautela e debate. Ganhou brechas, pressa e provavelmente será judicializada. Reforma ambiental, sim. Mas não assim. Não com esse cheiro de loteamento técnico disfarçado de modernização.
E aí veio a surpresa: avançou a proposta de fim da reeleição para cargos do Executivo. Um alívio? Em parte. Afinal, a reeleição, essa tragédia que transformou o governante em candidato desde o primeiro dia de mandato realmente precisa acabar. José Sarney, ainda na Constituinte, já dizia isso: um mandato só, de cinco anos, sem reeleição. Trinta e cinco anos depois, o Congresso parece ter entendido. Quase.
Quase porque no Brasil, toda boa ideia vem com uma cláusula de autobenefício. E dessa vez ela veio na forma de um brinde legislativo: o aumento do mandato de senador de oito para dez anos. Uma excrescência em qualquer lugar do mundo, mas aqui, vendida como modernização. Dez anos de imunidade, influência, verba e cadeira cativa. Parece ficção, mas é regimento.
E como se não bastasse, Hugo Motta anunciou com pompa a criação de um grupo de trabalho para discutir a reforma administrativa. Um grupo de trabalho, em bom português, nada mais é do que a forma mais polida de empurrar alguma coisa com a barriga. Reforma que mexe em privilégio no Brasil é sempre uma promessa à espera de um enterro discreto, já que grande parte dos políticos e dos juízes do país se consideram uma casta superior, acima dos meros mortais que pagam seus impostos.
No fim, o saldo é conhecido: um país que acorda esperançoso, vê o Congresso trabalhar e vai dormir com a certeza de que trabalhou contra ele.