
No fim de semana recebi um e-mail de um ouvinte frustrado, me chamando de “cavaleiro do apocalipse”. Dizia que eu só falo dos problemas do país, que nunca trago uma boa notícia, que deveria ser mais otimista, que pareço torcer contra.
Eu até entendo a frustração. Mas como já dizia Millôr Fernandes, “imprensa é oposição, o resto é secos e molhados.” A verdade é que a gente trabalha com o que Brasília nos serve de manchete e ultimamente, o material não tem alimentado o otimismo.
O caso Alexandre Ramagem é o exemplo exemplo corrente de um comportamento recorrente.
Ex-diretor da Abin e hoje deputado federal, Ramagem é investigado pela Polícia Federal por comandar uma estrutura paralela de espionagem dentro do próprio Estado. O Supremo Tribunal Federal autorizou buscas e apreensões. A Procuradoria-Geral da República viu indícios sérios de colaboração com o plano golpista frustrado.
E aí entra a Câmara dos Deputados. Não pra defender o interesse público, mas para proteger o colega. Blindagem pura. A velha lógica da autopreservação.
Veio o discurso protocolar: “excessos do STF”, “imunidade parlamentar”, “equilíbrio entre os Poderes”. Tudo válido, em tese, e tem mesmo acontecido. Mas o que se viu ali, de fato, foi corporativismo travestido de zelo institucional.
Sim, o Supremo tem cometido excessos — e não são poucos. Mas isso não pode servir como salvo-conduto para transformar a imunidade em impunidade. E muito menos em privilégio automático.
No fim, o que se instalou foi mais uma crise entre Legislativo e Judiciário. Os dois se enfrentando como se fossem adversários quando deveriam ser garantidores mútuos da Constituição.
A independência dos Poderes, no Brasil, tem se tornado uma desculpa para confronto permanente. E o diálogo, quando existe, parece só protocolar.
Enquanto isso, o cidadão comum, sem Abin, sem foro, sem blindagem, segue de mãos vazias. Só com o CPF e um Estado que não responde à altura.
Ramagem não é uma exceção. É o retrato. É o sintoma de um sistema que reage mal sempre que a Justiça mira para dentro. E sintoma, a gente não protege, a gente trata.