
No Brasil, as Comissões Parlamentares de Inquérito nasceram como instrumento de fiscalização e viraram, com o tempo, um gênero narrativo. Quando tudo começa a cheirar mal demais, instala-se uma CPI. É que ela não é necessariamente um caminho para a verdade, mas funciona como uma válvula de escape para a população. É a institucionalização da indignação, com o bônus tecnológico do streaming.
Ao longo das décadas, o Congresso nos entregou CPIs de todos os calibres: a do PC Farias, a dos Correios, a da Covid. Mais recentemente, a do 8/1. Lá atrás, nos anos 1950, a CPI da Última Hora, quando a UDN de Lacerda decidiu usar o Congresso como trincheira contra Getúlio Vargas e o jornal aliado de Samuel Wainer. Desde então, ficou claro que uma CPI pode servir a muitos propósitos, inclusive à guerra política travestida de investigação republicana. A verdade, afinal, é que a CPI, no Brasil, serve menos para punir e mais para projetar a culpa dos outros ou a própria imagem.
E o povo assiste, torce, ri, compartilha, reclama. Porque CPI, no Brasil, não é só instrumento legislativo. É forma de entretenimento. É catarse. É política pop
Agora, duas novas frentes se desenham: a CPMI do INSS, prestes a ser instalada, e a já ruidosa CPI das Bets. A primeira tenta apurar uma das maiores fraudes já vistas contra aposentados brasileiros. A segunda, mais histriônica, mergulha na promíscua relação entre influenciadores digitais e o mercado de apostas online.
Na CPMI do INSS, o governo até tentou conter o dano, mas até parlamentares da base aliada assinaram o requerimento, contrariando o Planalto. O ministro da Previdência, Wolney Queiroz, que antes era o número 2 de uma gestão que agora diz querer moralizar, foi ao Senado se explicar. Disse o que pôde, omitiu o que quis e teve de ouvir lições de Sergio Moro, que havia anos não vinha dando lição a ninguém.
Na CPI das Bets, o constrangimento deu lugar ao delírio. Virginia Fonseca, a influenciadora de 50 milhões de seguidores e discurso de CEO de si mesma, foi ao Senado com moletom rosa, garrafinha da marca e o rosto da filha estampado no peito. Disse que não promovia apostas, só mostrava como funcionava – tipo um traficante que só explica a química do pó. Quando tentou responder, esqueceu o nome da própria contratante. Quando tentou se defender, se incriminou. E ainda virou meme por lamber o microfone.
No fim do dia, não sobrou nada: nem argumento, nem credibilidade.
Talvez esse seja o verdadeiro retrato do país: enquanto velhinhos tentam entender por que sumiu dinheiro da pensão e jovens acham que vão ficar ricos apostando o que não têm em jogo manipulado, os palácios de Brasília seguem montando CPIs como se fossem roteiros de temporada.
E o povo assiste, torce, ri, compartilha, reclama. Porque CPI, no Brasil, não é só instrumento legislativo. É forma de entretenimento. É catarse. É política pop. Mas, principalmente, é o último estágio antes do arquivamento geral porque, por aqui, todo escândalo ganha uma comissão, mas quase nenhum ganha justiça.