
Se Lima Barreto, o Dostoiévski brasileiro, ainda andasse pelas ruas do Rio de Janeiro com seu terno puído e a cabeça cheia de revolta, ele talvez dissesse que o Brasil não mudou muito desde os tempos de Policarpo Quaresma. Continuamos sendo um país onde o absurdo é cotidiano e o poder é exercido como fantasia — agora turbinada por redes sociais, transmissões ao vivo e uma boa dose de cinismo institucionalizado.
Nesta semana, o Brasil pareceu cenário de um conto mal-humorado escrito entre um palácio em Pequim e uma sala de arbitragem do VAR, passando, claro, pelo verdadeiro hospício que é o Congresso Nacional.
Em menos de sete dias, o presidente Lula pediu ajuda à China — sim, à China — para regular a mídia brasileira; a CBF continuou sua novela com participação especial da família Sarney; o novo ministro da Previdência passou vergonha numa audiência no Congresso; e a CPI das Bets segue trocando fichas em vez de investigar.
A turnê presidencial pela Ásia teve de tudo: encontro com 19 ditadores, acenos à Rússia de Putin e uma declaração, na China, que deveria ter assustado qualquer um que ainda se preocupa com democracia. Segundo Lula e a primeira-dama Janja, o Brasil poderia “aprender” com o regime chinês como regular as redes sociais. Não se trata mais de discutir limites para o discurso de ódio ou responsabilização de plataformas. Trata-se de onde — e com quem — o governo brasileiro está buscando inspiração. Chamar um governo autoritário para ensinar liberdade de expressão é como pedir ao lobo que cuide do galinheiro.
Enquanto isso, em solo nacional, o novo rosto do INSS apareceu na Comissão de Fiscalização Financeira da Câmara: Wolney Queiroz, que assumiu no lugar de Carlos Lupi, mas defendeu o ex-ministro como se ainda fosse seu assessor direto. Falou em modernização, digitalização, planejamento. Só esqueceu de mencionar as fraudes milionárias que lesaram mais de 700 mil aposentados. Teve até direito a uma lição de moral — vinda de ninguém menos que Sergio Moro, que há tempos já não consegue dar lição em muita coisa. Eis a política brasileira: tudo muda pra continuar igual.
Na CPI das Bets, o show seguiu. Empresários que não sabem de onde vêm os pagamentos, influenciadores usando o Congresso como palco de autopromoção, parlamentares jogando o holofote nos outros para não iluminar os próprios telhados de vidro, teve de tudo. Inclusive a sensação geral de que a mesa está viciada, os dados marcados, e o jogo já decidido.
No futebol, o VAR da política marcou impedimento. Ednaldo Rodrigues foi finalmente afastado da presidência da CBF, e quem surge como interventor? Fernando Sarney. Filho de José Sarney, ex-presidente da República, e não da CBF — ainda. No Brasil, parece que temos um dispositivo automático: quando tudo dá errado, é só chamar um Sarney que ele assume.