
O governo federal decidiu apertar o cinto. Mas, como de costume, escolheu apertar o cinto dos outros. Ontem veio o pacotão: bloqueio de mais de 31 bilhões de reais no orçamento e, de brinde, aumento no IOF, o imposto sobre operações financeiras. Começamos o dia com uma mordida tributária no café da manhã.
De um lado, o contingenciamento: 10 bilhões bloqueados e outros 20 adiados. Uma tentativa de fazer parecer que ainda há algum compromisso com o tal déficit zero, uma coreografia fiscal ensaiada só pra ver se o mercado acredita. Do outro, a paulada no IOF: compras com cartão internacional, câmbio, empréstimos de empresas no exterior, previdência privada... até onde se viu, só escaparam as rifas de WhatsApp.
Mas talvez o movimento mais simbólico tenha sido o enterro, sem muita cerimônia, da promessa de zerar o IOF até 2029 e colocar o Brasil nos padrões da OCDE. Uma meta de harmonização tributária que virou, no fim, uma harmonização facial: aparece bonita no anúncio, mas some quando a realidade começa a doer.
A reação foi imediata. E no fim do dia, depois da recepção péssima no mercado, o governo recuou em um dos pontos mais sensíveis: a taxação de investimentos em fundos no exterior. O Ministério da Fazenda alegou que “ouviu o país”. Aham. Ouviu foi o dólar ameaçando espirrar.
Esse tipo de pacote já tem receita conhecida: anuncia-se tudo de uma vez, mede-se a resistência do sistema e, no fim, fica só o que dá menos chilique. O mercado espirra, tem uma crise de rinite, e o governo oferece só um lencinho.
No discurso, o compromisso fiscal continua. Mas, na prática, o medo maior é perder a mão, não a meta. E enquanto tudo isso acontece, quem segue pagando a conta é o cidadão comum. Aquele que não tem planejador financeiro pra montar offshore, nem consultor tributário pra fugir do IOF. Tem só fé — e CPF.