Francisco Marshall
O prólogo (primeira cena) da tragédia Édipo Tirano, de Sófocles, mostra uma cidade sendo consumida por peste devastadora. É Tebas gemendo, tomada pela fumaça das oferendas, onde o Velho Sacerdote de Zeus suplica ao soberano, Édipo, e descreve a crise: “Pois a cidade, tal como a vês, já/ muito sacode, e não consegue erguer/ a cabeça dos abismos do mar de sangue,/ perecendo nos casulos frutuosos da terra,/ perecendo nos rebanhos bovinos e nos partos/ estéreis das mulheres.” (v. 22-27). Imagem assombrosa: mulheres grávidas dão à luz e nada geram. No mundo representado nesta obra-prima, natureza e história estão conectados; é o cenário em que se analisa a relação entre a chaga que devora a cidade e o estado do poder na pátria em crise. Édipo é tragédia política por excelência, criada para comentar tramas como a que ora vivemos, enfrentando simultaneamente a morbidez da pandemia e a de um líder perturbado e nocivo, em uma nação gravemente enferma.
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