
Como acudir quem não pode pedir socorro?
Canoas vive um drama silencioso: o Abrigo Municipal Palmira Gobbi, que acolheu heroicamente mais de dois mil cães durante a enchente de maio do ano passado, está prestes a fechar suas portas. Hoje, o local mantém 65 cães — e uma promessa: o abrigo só encerraria suas atividades quando o último fosse adotado.
Uma promessa feita pela Prefeitura, diante de toda a cidade, no auge do desespero. Agora, a palavra dada corre o risco de virar palavra vencida.
A despedida do espaço já tem data-limite: 20 de julho.
Os pets que não forem adotados durante o ultimato serão transferidos para a sede da Secretaria Municipal de Bem-Estar Animal (SMBEA), localizada na Avenida Boqueirão, 1986, bairro Igara.
Estarão descontextualizados do resgate. Não desfrutarão da mesma vitrine pública, da mesma facilidade para adoções diretas e espontâneas.
Permanecerão em instalações menores, mais afastadas, com estrutura em adaptação, sem as especificidades protetivas de um abrigo emergencial.
Será ainda mais difícil encontrar um endereço e um destino para esses nossos órfãos das águas.
Quem visita canil municipal depois que a comoção esfria?
Irão do purgatório para o esquecimento.
A maioria desses animais é invisível. Muitos são idosos, ou não são bonitinhos, ou fotogênicos, ou instagramáveis. Muitos se recuperaram de doenças. Mas são inexplicavelmente insistentes, resilientes: demonstraram apego incomum à vida, sobrevivendo em telhados na maior catástrofe ambiental da história gaúcha, suportando a chuva por dias seguidos e a perda de seus lares. Desde sempre, farejam milagres.
Não se deve pensar em raça, mas na amizade possível, na lealdade incondicional, na gratidão da confiança.
Não sei se as feiras de adoção darão conta do recado. A próxima será agora, nos dias 21 e 22 de junho, no próprio Abrigo Municipal Palmira Gobbi (Avenida Farroupilha, 8001, Canoas), das 10h às 16h.
Se, com toda a campanha, com toda a visibilidade, esses 65 cães não despertaram o interesse de ninguém no abrigo, o que será deles no completo anonimato, sem um cantinho adequado para o encaminhamento à nova guarda?
A experiência da rejeição atinge profundamente os cachorros, porque são animais sociais. Criam laços imediatos com seus responsáveis — e se deprimem com a solidão e a ausência de contato.
Tomei conhecimento da causa a partir de apelo comovente de uma professora. Não falava por ela, mas em nome dessa legião de anjos caninos já um tanto sofridos pelos seus antecedentes, já um tanto calejados de traumas.
Que o prefeito de Canoas, Airton Souza, honre a promessa do Executivo.
Não se chaveia a filantropia no meio do caminho. Não se suspende uma missão pela metade.
Eles não têm voz, mas um olhar suplicante. Continuam reparando em cada um que chega para visita, transformando estranheza em intimidade. Pulam nas pernas. Querem uma segunda chance.
A esperança é a única saudade de quem nunca foi amado.