
O Jardim Botânico é a nossa joia da invisibilidade. Deveria ser o nosso paraíso de descanso, mas é o nosso oásis de descaso.
Vivo destacando que se tornou o endereço mais subestimado de Porto Alegre, mesmo sendo um dos cinco maiores jardins botânicos do país.
Zero Hora divulgou novos dados da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), que escancaram o óbvio: o parque perdeu 65% dos visitantes em sete anos. Em 2017, houve o registro de 64 mil pessoas; no ano passado, o número ficou reduzido a 22 mil curiosos.
Não dá para pôr a culpa na localização, já que se encontra na Terceira Perimetral, uma das vias mais movimentadas da cidade.
Não dá para debitar a conta na ausência de atrações: são 650 espécies de plantas, cem espécies de aves, serpentário, Museu de Ciências Naturais.
Não dá para atribuir o problema ao valor do ingresso, absolutamente simbólico: R$ 6 (adultos) e R$ 3 (estudantes e idosos a partir de 60 anos), com entrada franca para crianças de até cinco anos. Paga-se mais para guardadores de carro.
Ainda que sua privatização não tenha sido consumada em 2022, por falta de interessados, nosso viveiro coletivo não recuperou sua alma. Nem sua credibilidade.
Sem demanda, não há investimentos. E continuará ocorrendo o cruel e gradual esvaziamento do quadro de funcionários, que só se agravou desde a extinção da Fundação Zoobotânica, no Governo Sartori.
O Jardim Botânico tem 36 hectares de quietude florescida, com trilhas deslumbrantes e sedutoras na mata. Assemelha-se em área verde à Redenção (37,51 hectares) e nem de longe alcança sua popularidade. Jamais entrou em alguma música de nossos bardos, nunca serviu de tema aos nossos poetas, sequer é mencionado em enquetes sobre os pontos turísticos mais importantes.
Enquanto escrevia este texto, meu melhor amigo, José Klein, telefonou-me maravilhado com o Parque da Tijuca, no Rio de Janeiro. Não me lembro de qualquer telefonema de algum conhecido dentro do nosso Jardim Botânico, tampouco de um comentário a respeito de passeios em família no fim de semana.
Circulamos com frequência pelo Parcão, pelo Gasômetro, pela Orla do Guaíba, pelo Parque Marinha do Brasil, mas nunca colocamos os pés no Jardim Botânico.
Que quebranto é esse? Como um parque avaliado em R$ 247 milhões experimenta tamanho ostracismo?
Por que ignoramos o nosso laboratório de vida a céu aberto, com atividade de pesquisa há 51 anos?
Quando o comparamos aos jardins botânicos de outras capitais, o mistério aumenta. O de Curitiba recebe anualmente 1,8 milhão de pessoas; o do Rio de Janeiro, 600 mil; o de São Paulo, 100 mil.
A população de Curitiba é apenas 30% maior do que a de Porto Alegre, só que a visitação do Botânico na cidade paranaense é 82 vezes superior.
Nosso jardim de seis décadas é um lugar mágico para a expedição escoteira dos pequenos, para matear com a família, para piqueniques à beira dos lagos, para namorar deitado na grama, cercado de flores exóticas, para adquirir mudas especiais e presentear os afetos, além de ser um programa imperdível para quem ama orquídeas ou cactos.
Talvez seja o momento de retomar a realização de concertos, numa fórmula que já funcionou antes, capaz de atrair o público pela música.
O último concerto no espaço aconteceu em outubro de 2017, com apresentação da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA). Infelizmente, o Concerto de Primavera foi interrompido por um intenso temporal após a execução da terceira música — ventos de aproximadamente de 107 km/h provocaram danos estruturais e afugentaram os espectadores. Transcorreram oito anos sem a tradicional programação cultural.
Será que não cabe incentivar também excursões escolares, com aulas práticas que ilustrem os trabalhos de biologia e ecologia?
Em vez de vender o patrimônio à iniciativa privada, nosso desafio é vendê-lo de volta ao coração dos porto-alegrenses.