
Não é que homem não chora. Ele chora, mas não na frente dos outros.
Não vê sentido em chorar com gente à espreita: não tem como escutar, ou dar atenção, ou responder a qualquer conselho, tão ensimesmado com o próprio sofrimento.
Você dificilmente observará as minhas lágrimas rolando. Poderá, no máximo, desconfiar da minha tristeza após o ato secreto e solitário, pelos meus olhos vermelhos, esfregados até a exaustão.
Eu me afasto para chorar. Eu me isolo para chorar. Eu fecho a porta para chorar.
Talvez seja no chuveiro. Aproveito, assim, para lavar e perfumar as dores. O inchaço será menor. As pálpebras não ficarão pesadas nem desidratadas.
Não quero incomodar ninguém. Na verdade, não desejo que ninguém sinta pena de mim. A compaixão diminui o nosso valor.
Tampouco choro bonito: minha voz, nesses instantes, ainda é de uma criança. Não evoluiu. Não mudou seu timbre. Ainda é de um menino com o orgulho ferido. Jamais crescemos diante das frustrações. Seremos sempre um menor de idade, desengonçado, ansioso, pedindo autorização.
Eu já me ouvi prostrado: emito ganidos, urros. Não são palavras. Não pertencem a uma frequência sonora inteligível que permita tradução simultânea.
Lembro que jamais corrompi minha conduta com drama.
Quando recebia advertência dos pais, ou castigo, ou mesmo uma reprimenda injusta — que deveria ter sido dada a um dos irmãos —, eu não derramava nem uma gota de mágoa. Guardava para mim enquanto não me encontrasse sozinho.
Apenas desabava desacompanhado, sem plateia, sem atenuantes, sem hora para terminar, lidando com os coices dos soluços, com esse cavalo bravo e indomável do coração.
De hábito reservado, saio de perto. Meu jeito de purgar é recôndito, discreto, íntimo.
Eu me converto “num aeroporto de anjos”, para usar uma expressão feliz de Cazuza.
Só deixo entrar no quarto do meu pranto os seres invisíveis, alados. Admito que me amparem e me confortem. Que apertem os meus ombros e me abracem em silêncio telepático, desde que se mantenham incógnitos. Se noto a presença deles, mando-os embora. Nem o céu é capaz de me interromper ou travar o desabafo.
Eu não me reconheço chorando. Sou um estranho — sou uma sombra distante, sou uma profusão de sentimentos, sou um jorro disperso que não cabe em nenhum jarro —, assustado com o meu fundo de vidro moído, tentando pisar nos cacos de mim e não me machucar, decifrando o que vem acontecendo no chão das aflições.
Eu choro para entender. Não entendo para chorar.
E, se alguém me encontra distraído, descuidado com a aproximação de quem está em volta, e porventura enxerga indevidamente o degelo de minhas córneas, eu desminto, despisto, blefo a dicção embargada.
Nego com a veemência de uma censura. Alego que a pessoa se confundiu, que parece ser o que não é, porque homem não chora.
O único momento em que eu testemunhei todos os homens chorando escandalosamente, inclusive eu, foi na enchente de maio.
E sempre choraremos em qualquer inundação filha daquela, já que ninguém procura fazer obras subterrâneas. São tantas promessas água abaixo, tantas perdas, tanto adeus às casas e aos bens de uma vida inteira, que o homem pai, que o homem marido, que o homem família nem percebe que está chorando. Ao não conseguir proteger quem ama, não se protege. Vai junto com o rio.