
As grávidas têm desejos alimentares de exceção.
Existe uma explicação científica: os hormônios da gravidez, como estrogênio e progesterona, alteram a percepção do sabor e do aroma dos alimentos, levando a mudanças súbitas nas preferências tradicionais. A gestante também precisa de mais nutrientes para sustentar o crescimento do feto, o que pode acarretar fantasias detalhistas por determinados componentes. Por exemplo, a carência de ferro é capaz de causar fissura por uma churrascaria.
Só que nem a ciência justifica certas combinações que as pessoas costumam adotar em seu cotidiano de lanchinhos e refeições.
É quase inconcebível alguém querer completar chocotone com fatias cruas de presunto.
Não tem fundo racional, mas emocional. O paladar é um magneto de lembranças confortáveis. Por alguma sensação de segurança, você retoma uma mistura que já fez na infância, na casa dos avós ou em tempos de geladeira vazia.
Procura o que tranquiliza, reprimindo o medo e a ansiedade. É uma saciedade espiritual, acima de tudo.
O inusitado também surge pelas sobras. A invenção nasce da escassez, juntando o que está ao alcance: o doce com o salgado, a sobremesa com o prato principal, num afã do apetite em queimar etapas. Assim, casamentos atípicos atravessam gerações, como goiabada com queijo — quem teve essa ideia no período colonial de Minas Gerais possivelmente sofreu preconceito na época.
O que é intragável para uns é tradicional para outros. Cuscuz com leite no Nordeste, purê no cachorro-quente em São Paulo, pastel com caldo de cana nas feiras do interior paulista e nossa salada de batata com espeto corrido já são carteiras de identidade regionais.
Há ainda os arranjos extravagantes internacionais: a melancia com queijo feta na Grécia; o chocolate com bacon, o picles com manteiga de amendoim ou as fritas com milk-shake nos Estados Unidos.
A banana talvez seja a campeã das intercorrências invasivas, a maior penetra da festa das mutações. Tem gente que come banana com feijão, com catchup, no pão com queijo coalho.
A maionese não perde em participações e duetos insólitos, cobrindo bolo doce ou gelatina salgada.
Essa emulsão inocente de ovos e óleo é contumaz em seu crime de invasão: entra no miojo como se fosse molho branco, na salsicha como se fosse mostarda, no sushi como se fosse cream cheese, na salada de frutas como se fosse chantilly. Isso quando não soterra uma pizza inteira como se fosse catupiry. É um dublê de molhos e coberturas.
Não dá para julgar nem condenar o comportamento de quem embaralha produtos. Não é pecado, não é cafonice, não é falta de noção.
Guarde a sua careta, os seus pruridos, o seu beiço de nojo.
A ousadia é irmã gêmea da tentativa.
Se olhar no âmago de seus hábitos, encontrará uma alquimia um tanto improvável. Ou pela cultura do lugar a que pertence, ou por uma criatividade que virou receita particular.
Em segredo, sem ninguém por perto, sem câmeras, longe das redes sociais, na intimidade mais primitiva, somos sempre estranhos.