
Suspiramos quando maio passou. O maio do ano passado — o pior mês da história gaúcha, com a maior catástrofe natural que já experimentamos — deixou mais do que marcas na parede: criou traumas no nosso comportamento, um medo eterno do desalojamento.
Mas parece que junho também vai nos castigar. Nos próximos dias, há a promessa de chuvas constantes. O caos começa a se instalar. O volume acumulado desde a noite de segunda-feira (16) já bloqueou totalmente mais de 30 trechos das rodovias estaduais e federais. Tanto que um homem desavisado morreu após o carro ser levado em uma ponte entre Caxias do Sul e Nova Petrópolis. Do mesmo modo, um veículo com casal a bordo acabou tragado pela correnteza em Candelária, o que resultou em uma vítima até o momento. O Arroio Sapucaia, no limite entre Cachoeirinha e Canoas, transbordou. O rio Taquari alcançou sua cota, ameaçando Lajeado. O Trensurb interrompeu suas atividades devido ao alagamento entre as estações Farrapos e Mercado. Os meteorologistas voltam a ser consultados como nossos profetas. Descobre-se que os bueiros ainda estão entupidos. Reza-se para que as casas de bombas de Porto Alegre funcionem, pois a de Canoas já apresenta problemas. Dez escolas municipais de Santa Maria suspenderam as aulas — sete no perímetro urbano e três na zona rural. Nova Santa Rita decreta estado de calamidade. Agudo pede estado de emergência. Os investimentos do Estado ainda não são realidade: exigem tempo para erigir.
Teremos 450 milímetros até sexta-feira (20). Na época do dilúvio, foram de 500 a 700 milímetros. As notícias voam, reacendendo feridas amargas de água doce.
Todos os especialistas afirmam que não existe risco de repetir a tragédia monumental, que atingiu 478 dos 497 municípios, produzindo um lastro de destruição sem precedentes, com mais de meio milhão de desabrigados, mais de 160 mortes e dezenas de desaparecidos. Porém, já estamos diante de uma tragédia quando 1,3 mil pessoas se encontram fora de casa. Depois de reconstruírem seus lares, perdem tudo outra vez. Não há paz de tijolo, segurança férrea: a longevidade é de vidro. Os moradores de Canoas, de Eldorado do Sul, do Vale do Taquari não mereciam sofrer consecutiva humilhação. No Vale do Taquari, por exemplo, houve enchente em 2023, 2024 e agora. Ou seja, não corresponde mais a uma exceção. É pedra cantada. Ou mais triste: água cantada. Réquiem de água cantada.
Não tem como comparar o apocalipse com o inferno. A sensação é que não se trata de um cenário tão grave quanto antes, mas o nosso referencial é um recorde de 2,4 milhões de gaúchos afetados.
A lentidão das mudanças protetivas perante o clima extremo é assustadora. Não largamos as maquetes. Não mobilizamos o início das obras de cidades-esponja. Não limpamos os rios. Não cercamos as áreas vulneráveis. Os alertas chegam tarde demais.
Nossas transformações de um ano não têm o ritmo da chuva de um mês. Nos três últimos dias, choveu o triplo do que era esperado para junho inteiro.
Não estamos preparados para o terremoto das inundações. A reincidência é sempre passiva, insípida, inconsequente.
Resta contar com a sorte. Só que a sorte não foi eleita.