
Como podemos definir se um país é civilizado?
Pela pontualidade, pelo rigor dos horários, por honrar os compromissos assumidos.
O ator Antonio Fagundes, 76 anos, está sendo processado por não admitir que retardatários entrem em sua peça. Não importa que sejam meros minutos: as portas se fecham.
Ele tem razão. Está coberto de razão. Não é intolerância de sua parte, mas respeito com a plateia e com a qualidade da performance.
Se você se atrasa alguns segundos para uma prova de concurso, não entra. Se você se atrasa alguns segundos para um embarque no aeroporto, também não entra. E não há como apelar à Justiça por seus direitos. É uma questão de igualdade com quem compareceu na hora.
Por que para o teatro teria que ser diferente?
Não é como uma sessão de cinema, que possibilita maior flexibilidade, pois nela não há atores em cena — consiste em uma projeção. Os atrasados incomodam o público já acomodado ao procurar seus assentos no escuro, mas não tiram a concentração do elenco. É dos males o menor.
O teatro exige atenção máxima, numa interação ao vivo, única, irrepetível, que depende do silêncio e da ordem para dar sequência à trama. Na maioria das vezes, os atores sequer usam microfone, exercitam a empostação da voz. Um barulho, uma conversa paralela, a luz da tela do celular realmente perturbam.
Fagundes é alvo de uma nova ação judicial (somando nove, até agora), protocolada em março no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), por ter impedido a entrada de um casal que não levou ao pé da letra o horário da peça Dois de Nós, no Teatro da PUC-SP. O par reclamante pede uma indenização de R$ 20 mil por danos morais e cerca de R$ 500 por danos materiais, alegando que a recusa foi “arbitrária e abusiva”.
Todo mundo sabe que não se deve chegar atrasado ao teatro. Existem três sinais para anunciar a abertura da apresentação, conhecidos como “pancadas de Molière”, para que ninguém perca o início.
O primeiro, com um toque longo, acontece dez minutos antes; o segundo, com dois toques longos, é dado cinco minutos antes; o terceiro, com três toques longos, prenuncia a abertura das cortinas.
Mas parece que ainda se acredita no jeitinho brasileiro, na exceção, na concessão de privilégios, fazendo-se ouvidos moucos para a campainha.
É a mentalidade arraigada em nosso comportamento de furar a fila, de não ser como os outros, de desdenhar da noção coletiva de paridade.
E isso que o próprio ator, calejado na produção de eventos, já recorre à redundância, a exemplo dos cartazes de “proibido fumar” no avião.
A advertência consta no ingresso e nos materiais de divulgação online da peça. Aliás, quem compra o ingresso precisa concordar com um termo informando que não será permitida a entrada após o início do espetáculo — justamente para evitar brechas de contestação no Código de Defesa do Consumidor.
Mesmo com tamanha cautela, estresses são recorrentes, sobrecarregando a Justiça com demandas corriqueiras e nada imprescindíveis.
Nem as evidências por escrito sensibilizam os espectadores mais renitentes.
É uma pena que a exatidão e a assiduidade não sejam aplicadas espontaneamente. É uma lástima que o bom senso não prevaleça, que sigamos com a cultura da imprecisão.
Veja como andamos falhando com a educação. Fagundes, com mais de 40 novelas e 50 filmes nas costas, um catatau de prêmios (quatro Prêmios APCA, dois Prêmios Molière, dois Prêmios Qualidade Brasil, dois Troféus Imprensa) no lombo, está lutando pelo óbvio.
Não merecia passar por esse perrengue quem já mostrou seu valor encantando nossos olhos com atuações límpidas, oralidade impoluta e personagens inesquecíveis.
Que presente estamos oferecendo a ele, que completa seis décadas de carreira no ano que vem.
Não deixa de ser constrangedora a forma como tratamos nossos melhores artistas.