
“O inferno está vazio, e todos os demônios estão aqui.”
Da obra de Shakespeare para Alvorada, Região Metropolitana.
Na quarta-feira (14), um júri na cidade sentenciou David da Silva Lemos a 175 anos de prisão, acumulando três homicídios triplamente qualificados e um homicídio quadruplamente qualificado.
Lemos, 31 anos, matou os quatro filhos na noite de 13 de dezembro de 2022: uma noite sem lua e com as estrelas mortas.
Ele assassinou Yasmin, onze anos; Donavan, oito; Giovanna, seis; e Kimberlly, três. As crianças foram localizadas com marcas de facadas — uma delas, com sinais de sufocamento.
A mãe nem conseguiu ver seus filhos no caixão, que permaneceu de tampa fechada, tamanha a dilaceração nas cenas do crime. Não teve sequer a mísera oportunidade do luto, de dizer adeus, de beijar a testa, de derramar suas lágrimas, de reconhecer os pequenos — que saíram de seu ventre para as mãos insensíveis e gélidas do genitor.
Só no Brasil a sentença é uma coisa, e a lei, outra — apesar de a primeira partir da segunda.
Só no Brasil um assassino de quatro filhos recebe a severa condenação de 175 anos, mas cumprirá apenas 40 anos, limite do Código Penal.
Se a acusação do Ministério Público alcançou um resultado digno da prisão perpétua, a pena mal abrangerá a velhice do infrator.
Mais de um século e meio é reduzido ao pó de menos de meio século. Entre o tribunal e o presídio, desperdiçam-se dois terços da justiça.
Jogam-se fora 135 anos da responsabilidade criminosa. Nem parece que o ato foi absurdamente grave e ignóbil. Trata-se de um convite tentador à impunidade.
Enquanto formos brandos na legislação, enquanto não efetuarmos uma profunda e visceral reforma judiciária, jamais daremos conta da boçalidade e da truculência ao nosso redor — com famílias dizimadas e perdas irreparáveis.
São os exemplos que reprimem. São as duras e intransigentes condenações que intimidam os comportamentos perversos. É o medo do castigo e do rigor penal que nos devolverá a esperança.
Se assim continuar, pais seguirão matando seus filhos para se vingar da ex-mulher, como se fossem barganhas descartáveis do divórcio. Lares serão desfeitos em banhos de sangue e purgação de sofrimento — tudo por causa de uma corriqueira tentativa de separação.
O antídoto das retaliações filicidas é a execução impiedosa e ao pé da letra do veredito.
Matar os filhos para atingir a ex-companheira é o mais cruel feminicídio. Um feminicídio por tabela — que arranca a alma de quem fica, que expurga a possibilidade do exercício da maternidade.
É muito suave a equação de uma década de confinamento para cada criança assassinada. Era para mofar na cela, nunca mais sentir a luz do sol tocar o seu rosto. Sequer menciono o que ele realmente precisaria obter em troca — senão eu estaria debatendo a pena de morte.
Fingiu proteção e tutela, simulou que colocaria os seus rebentos para dormir, e acabou com um por um deles — em capítulos, em quartos separados.
Entre as qualificadoras dos homicídios estão: motivo torpe, emprego de meio cruel, asfixia e o fato de que as vítimas eram menores de 14 anos. No caso de Giovanna, uma qualificadora foi adicionada: emprego de recurso que dificultou a defesa — esfaqueou a menina de seis anos pelas costas.
E pensar que ele contou com inúmeras chances de parar a chacina, de se arrepender, de recuar — e avançou, abrindo todas as portas do inferno.
Ele jamais mereceria voltar de lá, das labaredas da sua punição, e viver de novo entre nós.
Existências como a dele não deveriam ganhar qualquer desconto. Vêm esvaziando o inferno e povoando os nossos dias de calafrios.