
O que nos ensina o chimarrão? A transitoriedade da vida. Tudo passa: a dor, a alegria.
Ele serve apenas para um turno. Logo estará lavado.
Não dura para o dia seguinte.
Devemos aproveitar um momento singular e passageiro — o aqui e agora — enquanto o amargo se transforma em paz de espírito.
A erva amanhece com o sol e escurece com a lua.
Acostumamo-nos ao seu ciclo efêmero.
Não entendo, portanto, o motivo de enfeitar o chimarrão.
Para quê? Para quem?
É o mesmo que se arrumar para ficar em casa.
Cada vez mais vejo chimarrões gourmet, chimarrões reborn.
Gente que coloca bonequinhos, verdadeiras maquetes, como nos antigos trabalhos escolares: cogumelos, Branca de Neve, plaquinhas com frases inspiracionais. É confundir a cuia com o jardim de casa.
Logo mais vão querer usar água saborizada. Já imagino o escambau do chimarrão de tangerina, chimarrão de morango, chimarrão de kiwi.
Não é questão de ser gaúcho raiz ou de apartamento, de pampa ou de quintal. Trata-se de um contrassenso ao despojamento do nosso hábito.
Chimarrão é portátil, para ser levado a qualquer lugar. Não tem sentido pôr numa redoma mental, cheio de ressalvas, com medo de estragar a decoração.
É simples de propósito. Fácil de fazer, e de desfazer. Destinado à satisfação interna.
Não nasceu para o story. Não nasceu para a ostentação. Não nasceu para a pose. Nem para comercial ou panfletagem ideológica.
Sei lá, não combina. É antinatural. Os biscuits são fofos, mas sempre estarão sobrando no montinho verde. Sempre estarão perdidos. Estranhos e pernósticos naquele habitat selvagem.
O chimarrão é pessoal. Apesar de poder girar em roda, alguém prepara e cuida sozinho. Alguém esquenta a água, num ritual de despertar para enfrentar o trabalho.
Sua beleza reside unicamente no sabor secreto.
Você não diz: “Olha que chimarrão bonito”. Você nada diz. Chimarrão bom é calado.
Sua infusão é ancestral. Os guaranis já utilizavam a erva-mate (Ilex paraguariensis) muito antes da chegada dos colonizadores europeus.
Desde então, só se trocou o canudo de taquara pela bomba de metal. O resto permanece igual. Séculos prósperos do básico.
A cuia já é cabeça de porongo. Não se precisa de outra.
O mate está longe de ser um drinque, ornado com azeitonas ou rodelas de laranja. É um gesto de discrição e sossego no meio da correria. Uma trégua ao pensamento. Uma pausa na respiração. Um incentivo às sinapses.
No máximo, aceita a escolta da térmica ou da chaleira — os amigos inseparáveis da mateira.
Há quem argumente que bolos também são enfeitados e consumidos na hora. Mas bolos são feitos para agradar aos presentes.
O chimarrão, não. O chimarrão talvez seja nossa forma de rezar. E nos lembrar dos ausentes.