
Talvez eu seja o único da minha família a sentir saudade do Velho do Saco.
Foi uma figura disciplinadora, que me fazia pensar duas vezes antes de uma molecagem. Sua ameaça inibia o veneno da transgressão. Laborava dentro de mim como um antídoto. Eu espantava as tentações, os anseios espúrios, e redobrava a cautela, sabendo que ele estaria por aí me procurando.
Acumulava calafrios ao imaginar aquele homem misterioso, de rugas avançadas, bombacha surrada, chinelos desbeiçados, carregando um saco de ossos nas costas.
Rezava a lenda de que ele perambulava pelo nosso bairro e levava embora as crianças malcriadas, que se desgarravam das mãos nos passeios e desobedeciam aos pais.
Sua origem sombria flutuava no ar: havia matado a própria família ou os filhos pequenos? Por que vagava como um pária, um amaldiçoado?
Morávamos na rua Lageado, no bairro Petrópolis, em Porto Alegre. Para aumentar a verossimilhança e refinar o pavor, os pais fingiam dialogar entre si:
— Fulano de tal viu o Velho do Saco bebendo água da torneira no jardim de sicrana de tal, ali na Bagé.
Bagé era uma rua paralela à nossa. Entendíamos que ele estava pelas redondezas.
O costume de contar histórias de terror não revelava sadismo, mas uma mentalidade de cuidado da época: melhor o susto do que a repreensão, melhor a repreensão do que o castigo, melhor o castigo do que a irresponsabilidade. O que não existia era a indiferença.
Ter medo nos inspirava a respeitar. Assim como uma horrenda lagarta vira uma borboleta de diáfanas cores. O risco seria crescer sem medo de nada.
Não era permitido levantar a voz, nem discordar dos horários, nem questionar a comida ou qualquer ordem.
Se não experimentássemos o receio do inferno, aqui se tornaria o inferno — na absoluta falta de limites e restrições.
Aquelas histórias à noite serviam para acordar a alma, ao invés de apressar o sono. Para despertar valores e princípios do caráter. Para incentivar a atenção e a vigilância.
Meus pais sempre nos doutrinaram a repelir desconhecidos: não abra a porta para estranhos, não fale com estranhos, não aceite nada de estranhos.
Depois, aprendi algo mais eficiente — e coloquei em prática com os meus filhos: em vez de desconfiar de pessoas estranhas, desconfie dos comportamentos estranhos. Já que abusos também são cometidos dentro do lar.
Entre as atitudes suspeitas, não permitir que um adulto converse a sós com a criança, ou que tire fotos em particular, ou que ofereça doces ou recompensas em troca de favores, ou que peça carinhos ou demonstre interesse por gestos inapropriados de afeto.
Olhar para a conduta, mais do que para a aparência, desfaz equívocos. Atinge todas as situações — dentro e fora de casa —, criando uma prevenção mais fidedigna.
Crianças não podem ter segredos. Segredos são perigosos. Essa é a criação que recebi — e que dei. Crianças não devem fechar a porta do quarto.
A porta da minha infância não tinha chave. Jamais teve chave. Não se trancava. Até a adolescência foi desse jeito — ainda mais se convidávamos colegas da escola para trabalhos em grupo.
“Deixe a porta encostada” tratava-se de uma regrinha tão simples, mas que salvava vidas.
Não se perdia o filho de vista.