
Brincar de boneca é saudável para as crianças, mas sinaliza obsessão nos adultos.
Não é exagero: trava-se na Justiça a disputa de um casal pela guarda de um bebê reborn — modelo hiper-realista de um recém-nascido, criado artesanalmente para se parecer o máximo possível, mantendo detalhes como cheiro, peso, textura da pele, veias, manchas, e cabelo implantado fio a fio.
A sofisticação da réplica permite incluir respiração leve, sons ou batimentos cardíacos. Custa até R$ 10 mil reais, dependendo do grau de personalização.
Pode parecer loucura, mas o caso é real e vem acontecendo em Aparecida de Goiânia (GO). Uma advogada compartilhou as informações: divorciados brigam para ficar com o brinquedo, com idêntica ânsia protetora dedicada a um filho.
Tudo pesa na guerra de nervos: o valor significativo da compra, o enxoval próprio, o perfil no Instagram — que gera renda por meio de publicidade e é considerado um ativo digital, portanto um bem patrimonial —, o apego e o tempo transcorrido desde a aquisição.
Logo mais os bebês artificiais ocuparão os balanços das praças e garantirão o acesso para filas preferenciais, sendo levados para creches, com pagamento de mensalidades, ou para exames em hospitais, com a invenção de doenças, ou para consultas terapêuticas, na ilusão de interpretar silêncios como sintomas.
A fantasia não tem limites. Vamos normalizando o inumano do comportamento.
Procura-se uma boneca para dar banho porque não retruca, para vestir porque não resiste, para alimentar porque não reclama, para cuidar porque não chora.
Espera-se, com a resignação e a falta de resposta, não ter trabalho nenhum e, ainda assim, autoproclamar-se pai ou mãe.
Como se caprichos ou carências correspondessem a necessidades.
A natureza estática do objeto traz um total controle, a abolição dos imprevistos e dos sustos. É uma adoração segura que nunca será amor.
Porque o amor exige adaptação, construção recíproca da intimidade, amadurecimento dos acasos e lições de convivência.
O hábito sequer deveria servir para combater o luto, pois o luto não admite substituição: é zelar pela ausência, de modo nenhum imitar uma presença. Não se cura o sofrimento com cópias.
Embora os dois a quatro quilos sejam os mesmos, você não estará dando colo a uma vida, e sim a um mero enchimento de vidro moído ou silicone.
Colecionar nunca será educar.
Enquanto isso, no Brasil, cerca de 5 mil crianças e adolescentes de verdade estão aptos para adoção, conforme dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), divulgados em maio de 2025.
Só que eles não são acolhidos pelos preconceitos dos 35 mil pretendentes — os preconceitos são os nossos maiores defeitos de fabricação — que não desejam maiores de 7 anos, grupos familiares ou crianças com algum tipo de deficiência ou condição fragilizada de saúde.
No fundo, anseiam por um equivalente do bebê reborn: até 4 anos, sem irmãos, sem história, vazio de esperança e que jamais cresça.
Muitos mimam bonecos como se fossem filhos, e recusam filhos justamente por não serem bonecos.