
Que os noveleiros são apaixonados por vilãs, todo mundo sabe: o fascínio que Nazaré Tedesco (Renata Sorrah), Carminha (Adriana Esteves), Perpétua (Joana Fomm), Cristina (Flávia Alessandra) e tantas outras exercem sobre o público está aí para comprovar isso.
Odete Roitman — interpretada por Beatriz Segall (1926 — 2018) na versão original de Vale Tudo, de 1988, e por Debora Bloch no remake que está no ar na Globo atualmente — sempre figurou na galeria das malvadas icônicas da teledramaturgia brasileira. No entanto, em 2025, ela passa de vilã a queridinha nas redes sociais, sendo exaltada em memes e postagens a cada cena que protagoniza na novela das nove.
O que explica a súbita simpatia que a personagem, agora, desperta, já que, anteriormente, suas frases preconceituosas e personalidade inescrupulosa chocavam o público?
1988 X 2025
Quando Vale Tudo foi exibida pela primeira vez, em 1988, o Brasil estava em pleno processo de redemocratização, com as feridas da ditadura militar ainda expostas. Assim, a audiência ansiava por assistir a mocinhos e mocinhas triunfando na TV; a ideia de o bem vencendo o mal projetava um efeito mágico no imaginário do telespectador. Dessa forma, era impossível nutrir simpatia por uma Odete arrogante e elitista.
Corta para 2025: com a democracia consolidada, não carecemos mais de tantos heróis na TV, no cinema ou no teatro para nos trazer esperança de uma sociedade menos injusta. Assim, mesmo Odete ainda sendo a mesma manipuladora, características positivas da personagem, como praticidade, ironia (quem não se divertiu com a frase "claro que você concorda comigo, você não é idiota", está sendo noveleiro do jeito errado) e estratégia ao resolver problemas, viraram sinônimo de força e humanizaram o papel brilhantemente exercido por Debora Bloch. Sim, o Brasil mudou e, junto com ele, a Odete, do remake escrito por Manuela Dias, também.
Cheia de amor pra dar
Há quase quatro décadas, uma mulher que estivesse na faixa dos 60 anos — idade aproximada da personagem — era considerada uma "senhorinha", e as pessoas estavam acostumadas a ver as "senhorinhas" rodeadas de netos e fazendo tricô na sala. Em 1988, muita gente criticava Odete por ter uma vida sexualmente ativa e se envolver com homens mais jovens do que ela; esse comportamento ia de encontro ao que os brasileiros entendiam como adequado para mulheres mais velhas.
Atualmente, com o combate ao etarismo, esse estigma (felizmente) parece fazer parte do passado. Nas redes sociais, as conquistas amorosas de Odete são muito celebradas. A loba vive e ama receber um nude no celular!
Postura firme
A postura firme de Odete com os filhos Afonso (Humberto Carrão) e Helena (Paolla Oliveira) — dois herdeiros que amam (e como não amar, né?!) a vida de luxo que o dinheiro da mãe proporciona, mas não se empenham muito em manter o patrimônio — é exaltada a cada cena. Ninguém aguenta mais assistir a tramas em que a mulher é quase exigida a ser sensível e acolhedora, simplesmente, porque isso não reflete a nossa realidade.
Odete prova que não basta ser "boazinha" para sobreviver, mas é necessário muito jogo de cintura e uma certa dose de poder, que ela soube muito bem conquistar e multiplicar. Como ela bem disse a Maria de Fátima (Bella Campos) em uma sequência:
— Aprendi desde cedo que vida é luta, é para os fortes. Eu lutei e venci, continuo lutando e vencendo, porque gosto e porque posso.
Sem romantizar as vilanias de Odete, é preciso reconhecer que a autora Manuela Dias reescreve a narrativa da personagem de forma brilhante: humaniza a empresária, tornando-a divertida e até com certa leveza nas atitudes, o que mostra camadas, até então, desconhecidas dessa mulher intrigante, que nunca precisou fingir bondade para ser poderosa.