
Assim que os casos de gripe aviária foram confirmados em uma granja de Montenegro, no Vale do Caí, e no Zoológico de Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana, os locais foram isolados e passaram por protocolos de segurança. Barreiras sanitárias foram montadas nos arredores dos focos com o objetivo de impedir o avanço da doença.
Contudo, em ambos os casos, as medidas foram tomadas em locais considerados de ambiente controlado. Por isso, surge o questionamento de quais ações podem ser tomadas para evitar a contaminação do vírus em áreas de animais silvestres.
— Estamos fazendo reuniões semanais. Esse é um grande problema e a gente vem acompanhando com preocupação. Como não se consegue controlar o contato (das aves silvestres), estamos tentando acompanhar a migração. Como já temos ideia dos ciclos migratórios, sabemos o que pode vir acontecer — afirma Fernanda Liborio, médica veterinária e analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) lotada no Rio Grande do Sul.
A virologista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Ana Cláudia Franco, que colabora com o Centro de Estudos Costeiros Limnológicos e Marinhos (Ceclimar), alerta que algumas mutações recentes do vírus H5N1 permitiram sua replicação mais eficiente em mamíferos, o que levanta um sinal de alerta, embora os casos sigam sendo menos frequentes do que em aves.
Espécies migratórias litorâneas, como gansos e gaivotas, são algumas das que podem estar mais sob risco neste momento, conforme Fernanda. Um protocolo é sugerido pelo órgão para lidar com casos em que animais como esses possam ser encontrados mortos.
— Se encontrou um animal silvestre que você acredita que tenha a gripe, o protocolo é não mexer. A orientação que a gente tem é que um animal encontrado morto na praia e que seja diagnosticado com a influenza seja enterrado ali mesmo. Assim você tem a menor chance de disseminar a doença — afirma.
No entanto, Fernanda ressalta que o enterro não deve ser realizado por qualquer pessoa. O recomendado é comunicar o Ibama ou a Secretaria de Meio Ambiente para que os protocolos sejam tomados pelos profissionais capacitados.
Segundo ela, o Ibama trabalha atualmente com foco em enviar informações ao Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas). O local recebe animais resgatados que precisam de reabilitação ou tratamento. Quando algum deles pode ser considerado caso suspeito da doença, há um acionamento formal.
Riscos a animais marinhos
Ana Cláudia também destaca os riscos aos mamíferos marinhos. Os próximos meses no litoral gaúcho costumam ser a época de maior presença de leões-marinhos, espécie migratória que vem do litoral da Argentina em busca de águas mais quentes no inverno. Isso aumenta o receio de novas infecções, como as já registradas em 2023.
— A presença do vírus em aves migratórias (que poderiam levar o vírus para essa região) ainda não foi registrada no litoral gaúcho, mas essas espécies começam a chegar a partir de junho e julho. Como são naturalmente mais suscetíveis, há sim risco de contaminação — alerta a virologista.
Além disso, ela reforça que essa preocupação existe porque já houve casos no Litoral Sul em 2023, e isso pode se repetir neste ano, principalmente em razão da alimentação de aves doentes por esses animais.
Espécies ameaçadas
A pesquisadora da UFRGS ainda ressalta que o cisne-de-pescoço-negro é uma das aves que requer atenção especial. Há registros da espécie tanto na Estação Ecológica do Taim quanto no Zoológico de Sapucaia do Sul — locais onde houve surto recentemente.
Apesar de os casos ainda estarem mais concentrados em aves, Ana Cláudia frisa que os riscos à biodiversidade são reais. Aves que se alimentam de carcaças podem ser particularmente afetadas ao entrarem em contato com animais contaminados.
— O que podemos fazer é seguir monitorando a circulação do vírus nesses animais. Buscar ativamente a presença da doença e adotar medidas de contenção sempre que possível. Para as espécies migratórias, infelizmente, esse tipo de controle é muito limitado — conclui.
Nesta semana, representantes de órgãos ambientais no Estado se reuniram e elaboraram um relatório que será enviado à Casa Civil estadual com recomendações sobre como lidar com esse tipo de caso. O trabalho foi realizado por entidades como o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Números
O primeiro foco de gripe aviária em aves silvestres registrado no Brasil ocorreu em há dois anos, em 15 de maio de 2023. Foram dois casos identificados no Espírito Santo, nas cidades de Vitória e Marataízes.
De lá para cá, já foram 164 casos. O mais recente foi em Maricá, no Rio de Janeiro, em junho do ano passado.
As espécies mais afetadas foram trinta-reis-de-bando e trinta-réis-real. Entre os mamíferos, foram quatro mortes de leões-marinhos-do-sul, no litoral gaúcho, em 2023.