
A indústria brasileira — e gaúcha — de carne de frango deparou com uma notícia que vinha sendo evitada há pelo menos duas décadas. O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) confirmou, na sexta-feira (16), o primeiro foco de gripe aviária em uma granja comercial no Rio Grande do Sul.
A detecção do caso aconteceu no município de Montenegro, no Vale do Caí, colocando em alerta máximo toda a produção avícola nacional, dados os seus efeitos sanitários e econômicos. A reportagem confirmou que o foco inicial da gripe aviária no RS é de uma granja que tem vínculo com a Vibra Foods, em Montenegro. Zero Hora tenta contato com a empresa, mas ainda não obteve retorno. Na tarde de sexta, bandejas de ovos e outros materiais foram destruídos nesta granja de Montenegro.
O vírus da gripe aviária circula com mais força desde 2006, com casos registrados principalmente na Ásia, na África, na América do Norte e no norte da Europa, mas não havia chegado às aves comerciais no Brasil até então. Em razão do foco, foi decretado estado de emergência zoossanitária por 60 dias.
Além do caso de Montenegro, foi confirmada a contaminação de aves silvestres no Zoológico de Sapucaia do Sul, na Região Metropolitana. O surto vitimou 90 das 500 aves aquáticas do espaço, principalmente cisnes e patos.
Gripe aviária no RS: o que se sabe
Contenção do vírus
Uma série de medidas sanitárias foi acionada assim que o caso foi confirmado pelas autoridades da Agricultura e da Saúde do Estado. As ações de vigilância ficam concentradas em um raio de até 10 quilômetros no entorno do local onde foi detectado o foco.
Desde a manhã de domingo (18), sete barreiras sanitárias tentam reduzir o risco de a doença se espalhar por outros lugares do Estado. As ações envolvem um bloqueio total em uma estrada de chão e limpeza de veículos, que são borrifados com desinfetante com a intenção de eliminar a possível presença de vírus.
Ao todo, cerca de 17 mil galinhas matrizes, ou seja, para a produção de ovos férteis (aqueles comercializados para desenvolver animais de corte) estavam em dois galpões da granja afetada pelo vírus.
No primeiro espaço, 100% das galinhas morreram. No segundo galpão, a mortalidade foi de 80%. As aves remanescentes foram sacrificadas e destinadas para o descarte correto.
Os ovos que saíram da granja foco estão foram rastreados para que sejam destruídos a fim de reduzir o risco de proliferação da doença.
Conforme o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), foram identificados incubatórios no próprio Rio Grande do Sul, no Paraná e em Minas Gerais que receberam produtos sob risco. O Mapa esclarece que não há comprovação de que esse material esteja contaminado pelo vírus H5N1, e o descarte é uma medida preventiva.
Quais os protocolos adotados
A Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária, Produção Sustentável e Irrigação (Seapi) detalhou as medidas que estão sendo tomadas neste momento. O objetivo é conter a doença, garantir a segurança alimentar e evitar qualquer impacto na produção.
- Isolamento da área em Montenegro;
- Eliminação das aves restantes, para que seja iniciado o protocolo de saneamento da granja;
- Investigação complementar em raio inicial de 10 quilômetros da área de ocorrência do foco e de possíveis vínculos com outras propriedades.
Em coletiva de imprensa nesta sexta-feira, as autoridades estaduais afirmaram que já se preparavam para a possibilidade de contágio desde que os casos começaram a se espalhar mundialmente.
— Se tem um aprendizado sobre como trabalhar com a doença. O Brasil foi o país que mais tempo conseguiu manter a produção comercial livre depois da detecção em aves silvestres. Temos um conjunto de compromissos com os parceiros comerciais, e isso envolve uma sequência de ações e comunicados — disse o superintendente do Ministério da Agricultura no RS, José Cleber Dias de Souza.
No Estado, o mês de maio já era considerado um período de risco em razão da circulação de aves silvestres neste período do ano.
— Não fomos pegos de surpresa. Sabíamos que, provavelmente em maio, poderia ter caso de ocorrência devido ao movimento de aves migratórias nesta época — afirmou Márcio Madalena, secretário adjunto da Agricultura.
Impacto econômico
O registro do vírus na produção aviária tem efeito imediato nas relações de comércio exterior. Por isso, o caso traz importante impacto financeiro para o Brasil e o Rio Grande do Sul, que é o terceiro maior exportador de carne de frango entre os Estados.
Estão suspensas temporariamente a exportação de produtos avícolas brasileiros para China, União Europeia, Canadá, África do Sul, Chile, Argentina, Uruguai, México e Coreia do Sul, conforme levantamento do Ministério da Agricultura. No caso europeu, a suspensão automática e da forma de autoembargo está prevista no protocolo de exportação de frango acordado entre o Brasil e o bloco.
A China, principal comprador do frango brasileiro, já havia suspendido as compras desde o caso de Newcastle (semelhante à gripe aviária), detectado no município de Anta Gorda, no ano passado. Para o RS, portanto, a autossuspensão nada altera. O problema é que o novo foco agora deve postergar as tratativas de reabertura do mercado.
Presidente da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav), José Eduardo dos Santos diz que ainda é cedo para se projetar o tamanho do impacto econômico. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, disse que cálculos ainda precisam ser feitos para se ter uma dimensão do problema.
Mudanças nos tratados sanitários com vários países foram articuladas após registros de contaminação de aves silvestres no Brasil, em 2023. A intenção era regionalizar eventual suspensão, já que um caso no Rio Grande do Sul, por exemplo, não afetaria os animais de outros Estados.
Agora confirmado o caso em atividade comercial, a expectativa é de que as conversas entre os países avancem no sentido de regionalizar os embargos.
— Os países em que nós conseguimos avançar e trocar o protocolo, como é o caso do Japão, Arábia Saudita e Emirados Árabes, ficam restritos primeiro ao Estado que teve o foco, no caso do Rio Grande do Sul, e depois se restringe apenas ao município. O restante do Brasil continua com o fluxo comercial normal — explicou o ministro.
Em 2024, as exportações brasileiras de carne de frango atingiram o recorde de 5,2 milhões de toneladas, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). O dado representou alta de 3% em relação ao ano anterior.
Quais os riscos
O governo alerta que não existe risco de transmissão da doença pelo consumo da carne ou de ovos. O governo do Estado afirma que a doença foi detectada em uma granja voltada para a reprodução e que, por isso, não há qualquer restrição ao seu consumo.
O risco de infecções em humanos pelo vírus da gripe aviária é considerado "baixo e, em sua maioria, ocorre entre tratadores ou profissionais com contato intenso com aves infectadas", diz trecho da nota do ministério. Segundo nota do governo do Estado, a infecção pode acontecer pelo contato direto ou indireto com aves infectadas, por meio de aerossóis, secreções respiratórias, fezes, fluidos corporais ou superfícies contaminadas. A doença não é transmitida por alimentos bem cozidos ou preparados corretamente e a transmissão entre pessoas é muito limitada.
Como a doença se espalha?
O vírus da influenza aviária circula mundialmente em aves silvestres, sobretudo nas aves aquáticas migratórias, o que facilita a sua propagação. As regiões de maior risco de influenza são aquelas em que há predominância de relação de contato entre galinhas comerciais e aves aquáticas domésticas e silvestres, como patos e marrecos, tanto nas áreas rurais quanto em centros urbanos onde há comércio de aves vivas.
Desde a sua primeira identificação na China, em 1996, a gripe aviária de alta patogenicidade (IAAP) apresentou diversas ondas de transmissão intercontinental. A doença provocou o abate de mais de 316 milhões de aves no mundo entre 2005 e 2021, com picos em 2021, 2020 e 2016. Mais de 50 países e territórios foram afetados pelo vírus, entre eles África, América do Norte, Ásia, Austrália, Europa, Oriente Médio.
A vacina contra a gripe (influenza) protege contra a gripe aviária?
Não. A vacina contra a gripe sazonal não protege contra a gripe aviária. A vacina da gripe é atualizada todos os anos para proteger contra os principais vírus da gripe que circulam entre humanos, como os tipos A (H1N1 e H3N2) e B. Já a gripe aviária é causada por vírus diferentes, como o H5N1, que normalmente afetam aves e raramente infectam pessoas. Esses vírus não estão incluídos na vacina sazonal, pois são geneticamente diferentes e circulam principalmente entre aves.
Quais os principais sintomas nas aves?
Entre os principais sintomas apresentados nas aves estão alta mortalidade, dificuldade respiratória, torcicolo e falta de coordenação, crista e barbela inchadas e roxas, secreção nasal e ocular, espirros, dificuldade de locomoção e diarreia.
O que fazer se encontrar aves doentes ou mortas?
- Não se aproxime, alimente ou toque em animais silvestres, nem tente socorrê-las
- Não deixe cães, gatos e outros animais domésticos se aproximarem
- Em casos suspeitos, entre em contato com a Secretaria Estadual da Agricultura através da Inspetoria de Defesa Agropecuária mais próxima ou pelo canal de notificação via WhatsApp (51) 98445-2033.
Cronologia da influenza aviária
- Maio 2023 - Vírus chega ao país, com primeiros casos identificados no Espírito Santo.
- Maio 2023 - Primeiro foco de gripe aviária em aves silvestres é confirmado no RS. Vírus foi identificado em aves da espécie Cygnus melancoryphus, conhecida como cisne-de-pescoço-preto, próximo à Lagoa Mangueira, no Sul.
- Junho 2023 - Contaminação chega a ave de criação doméstica no Espírito Santo.
- Julho 2023 - Vírus é detectado em ave de criação doméstica em Santa Catarina.
- Julho 2023 - RS decreta emergência zoossanitária por gripe aviária.
- Outubro 2023 - Primeiro foco de influenza em mamífero é registrado no RS.
- Janeiro 2024 - Governo prorroga estado de emergência zoossanitária até 22 de julho.
- Fevereiro 2024 - Primeiro foco mais próximo de regiões produtoras, em Rio Pardo.
- Maio 2025 — Primeiro foco de gripe aviária em produção de atividade comercial no país desde 2006, em granja de Montenegro, no RS.