Era 1h40min da madrugada de 11 de junho de 2012 quando um caminhão carregado de frangos chegava a Montenegro, encerrando um período de incertezas. No mesmo dia, o empresário Wesley Batista anunciava no Rio Grande do Sul a retomada dos abates na antiga Doux Frangosul, diante de centenas de funcionários – que retornavam ao trabalho depois de quase três meses em férias coletivas. Cinco anos após salvar o emprego de trabalhadores e garantir a produção no campo, o Grupo JBS, envolvido em um dos maiores escândalo da história do país, se transforma em tormento para milhares de brasileiros.
Somente em Montenegro, sede da maior unidade da marca no Estado, com capacidade para abater 500 mil frangos por dia, 2.350 funcionários acompanham as notícias envolvendo os empresários Joesley e Wesley Batista sem saber o futuro de seus empregos.

– O nosso medo é de os trabalhadores serem penalizados por questões administrativas do grupo. O sentimento de apreensão é muito grande – relata João Marcelino da Rosa, secretário de Finanças e Patrimônio do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Alimentação de Montenegro e Região.
Desde 2012, quando a JBS arrendou as unidades da Doux Frangosul, a tranquilidade voltou a pairar entre os mais de cinco mil funcionários do grupo no Rio Grande do Sul – incluindo 12 indústrias de carne de frango, suína, embutidos, ração, couro e centro de distribuição.
A normalidade retornou também ao campo, onde os pagamentos pela criação dos animais foram regularizados. Na época da crise na Doux, produtores ficaram quase oito meses sem receber. Agora, com a JBS no centro de um esquema de corrupção bilionário, os produtores se veem novamente diante da incerteza.
– O pior é que não temos para onde correr. O mercado é muito concentrado e competitivo – diz Leomar Weber, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Harmonia, município com mais de 50% dos integrados da avicultura e suinocultura vinculados à JBS.

Desde que a empresa começou a ser envolvida em operações da Polícia Federal, nos últimos meses, alguns criadores optaram por trocar de integradora. Mas se o movimento for em massa, diz Weber, muitos ficarão sem alternativa.
– Se algo acontecer com a empresa, a maioria dos produtores ficará desamparada – afirma o dirigente sindical.
A relação de dependência da empresa é percebida no comportamento dos produtores. Poucos se atrevem a falar publicamente. O receio é de represálias da indústria, que controla a exposição dos criadores exigindo até autorização para imagens ou declarações à imprensa, por exemplo.
Em Tupandi, também no Vale do Caí, a situação é ainda mais preocupante. Segundo maior produtor de aves do Rio Grande do Sul, com 4,4 milhões de frangos alojados, o município tem 70% dos produtores integrados à JBS.
– Mais de 50% da nossa arrecadação vem da agricultura. Qualquer movimento de mercado afeta diretamente a nossa economia – comenta Hélio Müller (PP), prefeito de Tupandi.
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A preocupação aumenta à medida que as ações da JBS despencam no mercado e que a pressão por boicote a produtos da marca cresce – tanto por parte dos consumidores quanto também de varejistas.
Apesar da gravidade das denúncias que envolvem o grupo, analistas acreditam que a companhia tem condições de honrar seus pagamentos, pelo menos em curto prazo. Mais de 50% do faturamento da companhia vem do Exterior – principalmente dos Estados Unidos.
Concentração de mercado faz crescer incerteza

Ao assumir o negócio da Doux Frangosul no Rio Grande do Sul, há cinco anos, a JBS entrou no segmento de aves e suínos no Brasil. Até então, as operações no setor estavam restritas aos Estados Unidos. Seguindo a estratégia de comprar empresas para concentrar mercado, os irmãos Joesley e Wesley Batista fizeram investida ainda maior em 2013, quando adquiriram a Seara – divisão de aves, suínos e comida processada do Marfrig – principal concorrente no mercado de carne bovina. Em 2014, assumiram a Frinal, indústria gaúcha de frango.
– A concentração de mercado foi induzida, com recursos à vontade do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Ao formar campeãs nacionais, o governo não mediu os efeitos colaterais que isso poderia trazer, como a extrema dependência de uma única empresa – avalia Sérgio Lazzarini, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper).

No Rio Grande do Sul, a JBS detém cerca de 30% do mercado de aves. Em 2016, foram 231 milhões de frangos abatidos no Estado. Nas exportações do setor, a participação da companhia chega a quase 40% – com 290 mil toneladas embarcadas no ano passado. A líder é a BRF, dona das marcas Sadia e Perdigão.
– Essa concentração nos preocupa. Quando fomos consultados pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), reafirmamos nossa posição de preservar a política de mercado aberto – afirma José Eduardo dos Santos, diretor-executivo da Associação Gaúcha de Avicultura (Asgav).
Impacto menor no setor de suínos
No mercado de suínos, a participação da JBS é menor. Os três frigoríficos da empresa respondem por cerca de 10% dos abates no Rio Grande do Sul.
– É cedo para avaliar qualquer impacto. Havia sinais de retomada da economia, agora voltamos a acender o alerta – diz Rogério Kerber, diretor-executivo do Sindicato das Indústrias de Produtos Suínos do Estado (Sips).

No segmento de carne bovina, os impactos no mercado gaúcho tendem a se refletir no consumo, com a redução de vendas dos produtos com a marca Friboi.
– Essa situação toda causou revolta por parte dos consumidores. A substituição de produtos poderá abrir oportunidades para outras marcas ganharem espaço – prevê Ronei Lauxen, presidente do Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados no Rio Grande do Sul (Sicadergs).
Sem nenhum frigorífico bovino no Estado, a JBS atuava no mercado gaúcho levando animais de raças britânicas para terminação e abate em São Paulo. A prática, iniciada há cerca de três anos, foi reduzida nos últimos meses – com a justificativa de alto custo para o transporte de animais vivos.