A árvore uva-do-japão (Hovenia dulcis) – considerada uma espécie exótica invasora – compete com outras nativas e domina regiões de mata. Natural da Ásia, foi introduzida e plantada em propriedades rurais do Brasil. Aos poucos, tornou-se invasora. Disputa água, luz e nutrientes com outros vegetais, multiplica-se rapidamente e tem grande capacidade de adaptação.
A uva-do-japão tem sido aproveitada em função de fornecer sombra, lenha de qualidade e suas folhas servem de alimentos para ruminantes e roedores. Os frutos são apreciados por aves. Trata-se de uma melífera – cujas flores atraem abelhas e outros polinizadores.
Sombra para suínos e aves
— Ela foi muito usada para fazer sombra pelo pessoal que cria suínos e aves. Plantam no entorno dos galpões. No verão, ela tem uma copa boa e faz sombra. No inverno, perde as folhas e deixa o sol entrar — explica Thais Michel, que atua na coordenação de projetos ambientais da Emater/RS.
Segundo a profissional, apesar de poder ser encontrada em diferentes locais do território gaúcho, no Bioma Pampa sua presença não é tão comum.
— Ela é uma espécie que tem uma capacidade invasora muito grande. Dispersa-se muito fácil — prossegue.
Tem que ser uma das primeiras plantas a serem retiradas do Rio Grande do Sul.
THAIS MICHEL
Emater-RS
Quando expande-se para as matas, impacta a biodiversidade e produz alterações químicas no solo. Dessa maneira, promove desequilíbrios no ecossistema e representa riscos em diversos locais, inclusive nas Áreas de Preservação Permanente (APPs).
— Tem uma capacidade de germinação muito grande. Onde a semente cai, ela brota — diz.
A uva-do-japão funciona ainda como planta medicinal para quem exagerou no consumo de álcool e para a produção de geleia, vinagre, vinho e farinha.
— É preciso divulgar muito que ela realmente é uma exótica invasora. Porque ainda tem quem a use até por ser melífera. Tem que ser uma das primeiras plantas a serem retiradas do RS — sugere, citando ainda o pínus.
Perda de folhas contribui para fragilização das florestas
Professora do Departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Sandra Cristina Müller afirma que a espécie tem sido vista em áreas onde foram retiradas florestas e o solo ficou mais exposto.
— As espécies invasoras têm alta habilidade de tolerar todo tipo de situação. Acabam tendo um desempenho muito melhor do que as nativas — assegura.
Conforme a docente, as áreas degradadas e afetadas pela enchente de 2024 servem como repositório de sementes da uva-do-japão.
— Ela produz muitas sementes que são dispersadas por aves e pequenos mamíferos. Os animais fazem o papel de levar para áreas que estão expostas (degradadas) — exemplifica.
À medida que ela se torna dominante, diminui a diversidade do local. Um dos motivos é que trata-se de uma espécie caducifólia, vegetal que perde as folhas.
— Ela perde as folhas, a árvore fica caduca e fragiliza o sistema como um todo — explica, salientando que as chuvas chegam com mais intensidade ao solo dessas áreas por não haver a proteção das copas.
Sandra comenta que a uva-do-japão pode ser encontrada no Vale do Taquari e na Serra, regiões que sofreram os impactos da enchente. Além de se dispersar por meio de sementes, a espécie desenvolve-se por meio de estacas – quando um galho é cortado e enterrado no solo.
Lidar com as espécies invasoras é uma coisa contínua. As pessoas mais leigas deveriam estar conscientes disso. Deveria haver um controle na comercialização dessa espécie.
SANDRA CRISTINA MÜLLER
Professora do Departamento de Ecologia da UFRGS
— Plantas que se desenvolvem por estacas têm uma vantagem competitiva: crescem mais rápido e não precisam passar pela etapa da germinação — detalha.
Ações para impedir a proliferação da espécie envolvem controlar a população, cortar a árvore e introduzir outras nativas.
— Tem que ter o manejo. Manejo é a palavra. Não dá para deixar sem controle, porque aí é um ciclo sem fim — pondera, acrescentando:
— Lidar com as espécies invasoras é uma coisa contínua. As pessoas mais leigas deveriam estar conscientes disso. Deveria haver um controle na comercialização dessa espécie.
Ações para atenuar dominância da espécie
O professor Paulo Brack, do Departamento de Botânica da UFRGS e coordenador do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá), explana que a uva-do-japão consegue se espalhar de forma autônoma.
— Os frutos são bolinhas secas. Os animais como o graxaim e o preá comem e vão dispersando as sementes na natureza.
A árvore, que possui porte alto e retilíneo, proporciona bastante sombreamento em função de sua copa aberta. No Rio Grande do Sul, ela pode ser encontrada ainda no Litoral Norte, como em Maquiné e Osório.
Também estão no caminho em direção a Caxias do Sul e Bento Gonçalves e há exemplares de uva-do-japão em Porto Alegre. Brack sugere três medidas para impedir a proliferação dessa árvore nas regiões degradadas por deslizamentos:
- Plantio de espécie nativas
- Substituição da espécie invasora por outras
- Eliminação da uva-do-japão
A árvore ainda é comercializada para ser usada como auxílio no sombreamento e para paisagismo em espaços como praças e estacionamentos das cidades.
— Não vejo a uva-do-japão como problema maior. Próximo de Maquiné, utilizam muito a madeira dela e acabam contribuindo para eliminar as árvores de maior porte — conclui.
Recomendações do governo estadual
A uva-do-japão é reconhecida como espécie exótica invasora pela Portaria Sema nº 79/2013, que estabelece a Lista Oficial de Espécies Exóticas Invasoras do Rio Grande do Sul.
Em 2020, o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) publicou uma recomendação sobre a necessidade da substituição da espécie nos estabelecimentos de avicultura e de suinocultura no Estado.
A orientação pede a substituição progressiva dessa espécie por outras nativas, bem como o controle periódico até sua erradicação nas áreas dos empreendimentos. A recomendação também apresenta uma lista indicativa de espécies nativas para a troca.
Políticas públicas da Sema
Conforme a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura (Sema), o Programa Invasoras RS, coordenado pelo Departamento de Biodiversidade (Dbio/Sema), atua na prevenção, controle e erradicação dessas espécies, em articulação com outros setores.
Uma das frentes integra o Plano de Ação Nacional para a Conservação dos Sistemas Lacustres e Lagunares do Sul do Brasil – instrumento federal que tem como proposta conservar a biodiversidade associada a esses sistemas ecológicos sensíveis.
Uma das ações visa controlar a espécie na Reserva Biológica Estadual Mata Paludosa – Unidade de Conservação sob gestão da Sema – localizada em Itati, no Litoral Norte. A iniciativa ocorre em parceria com o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer). Trata-se de um esforço interinstitucional para recuperar áreas naturais invadidas e restaurar a integridade ecológica.