
Às vésperas da COP de Belém e enquanto um novo arranjo da geopolítica se desenha, caberá ao Brasil acomodar as discussões da pauta climática ao momento que o mundo vive. A avaliação é do secretário-executivo do Consórcio Amazônia Legal, Marcello Brito, uma das principais vozes entre o agronegócio e a sustentabilidade e um dos críticos da produção que ignora a urgência ambiental.
O especialista cita a necessidade de modelos de financiamentos para fomentar o que chama de nova revolução da agricultura, a sustentável, diante das urgências do clima.
Veja na entrevista a seguir.
Quais as expectativas para a COP30?
Talvez essa seja uma das conferências mais difíceis no histórico de 30 anos, pela situação atual do mundo. Vivemos, não sei se é a palavra correta, uma transformação ou um distúrbio. Mas, sem dúvida alguma, existe uma nova dinâmica geopolítica imposta ou em marcha, sem entender ainda quais serão os resultados práticos disso. Essa COP vai exigir dos líderes e da presidência da COP do Brasil um poder de negociação e de conciliação muito maior do que já foi antes exigido.
Como o redesenho geopolítico impacta as ações contra as mudanças climáticas?
A questão das mudanças climáticas, para mim, está dada. Empresas e investidores sabem disso e sabem que os seus novos investimentos e a reformulação dos seus processos produtivos hoje têm de estar atrelados à nova modalidade de risco ambiental. O que está no ar é quais serão os próximos movimentos, ou seja, como essa agenda realmente vai ser internalizada pelos países, diante de um momento tão frágil da geopolítica mundial, onde boa parte dos países ricos estão canalizando seus recursos não para a questão climática, mas para a questão de defesa, como vemos a Europa hoje. As negociações, no que tange a financiamento climático, estão muito mais difíceis e acredito que vamos ter que passar por um pragmatismo. Entender o que é premente, para o que se tem recurso, e de que forma esse recurso pode ser aplicado para que resultados sejam atingidos de forma mais rápida.
Os investimentos e as políticas públicas que temos hoje, na sua visão, não são suficientes para atingir as metas de mitigação?
Não são. Porque quando falamos de mitigação climática, estamos falando num contexto planetário. Vamos supor que, num passo de mágica, consigamos eliminar 100% do desmatamento brasileiro, o que significaria 50% das nossas emissões. Do ponto de vista brasileiro, seria uma maravilha. Mas, sob o ponto de vista global, seria praticamente nada em termos de redução.
Quando falamos de políticas públicas que facilitem ou que criem modelos para o financiamento climático global, estamos falando numa escala onde países façam isso de forma diferente, mas de forma contínua e adequada. E isso é o que não estamos conseguindo ver agora. Alguns países continuam num passo mais acelerado e outros, pelo menos em teoria, demonstram vontade de dar ré, como é o caso dos Estados Unidos.
A proximidade da COP acelera a pressão por agendas positivas. Como atingir essas metas?
O presidente da COP do Brasil, o embaixador André Corrêa do Lago, levantou um ponto extremamente inteligente, relatando que diversas promessas, ou pledges, na linguagem em inglês, foram feitas nas últimas 29 COPs e que nós deveríamos agora olhar como fazer a implementação desses acordos feitos entre os países. Acho que é um movimento inteligente, já que não há campo para negociação, pelo menos até hoje. Mas talvez haja campo, sim, para trabalhar implementações num modelo diferente. Esperar que as implementações sejam feitas a partir da doação de países ricos é muito difícil e não deverá acontecer, mas através de novos modelos de financiamento, de “planned finance”, em que uma parte possa vir de doação, mas uma parte possa vir de empréstimos, com contrapartidas e juros diferenciados.
Olhando para o Brasil, como avalia a política ambiental do governo atual?
As novidades que temos visto são salutares. Temos evoluído em novos modelos de financiamento a partir do BNDES, do Banco do Brasil, uma evolução do plano de agricultura sustentável, em novos modelos para a recuperação de pastagens degradadas. Então, novas ferramentas estão surgindo. Se pegarmos o agronegócio como exemplo e olharmos 30 anos atrás, o único elo de financiamento que existia era o Plano Safra, subsidiado pelo governo. Hoje, mais de 65% do financiamento de um ano safra brasileiro advém do setor privado através de uma série de ferramentas que foram desenvolvidas nesse tempo. Os Fiagros, as CPRs, os CRAs e assim por diante. No setor ambiental, também será assim.
Muita gente associa o agronegócio como um fomentador da destruição ambiental. Há alguma evolução do setor a partir das tragédias ambientais nos últimos anos?
Em primeiro lugar, acho que as pessoas que atribuem ao agronegócio esse poder destrutivo demonstram o desconhecimento do processo agrícola brasileiro. A agricultura brasileira evoluiu muito. Temos um modelo de produção e, comparado aos principais concorrentes do mundo, o nosso é muito mais eficiente e muito mais sustentável, o que não significa que não carece de mudanças e de alterações. O mundo fez uma revolução agrícola extremamente satisfatória sob o ponto de vista de fornecimento de alimentos, mas foi uma revolução que, no seu contexto, também trouxe problemas, visto que hoje quase 40% das áreas agriculturáveis no mundo estão degradadas.
Iniciamos agora um novo ciclo, que eu chamo da evolução dessa revolução. É uma evolução que olha para a reestruturação dos solos, das caixas d'águas da agricultura, que são as florestas adjacentes ou não às áreas de produção. Veja que a China, país que passou por um processo de degradação monstruoso, talvez um dos maiores do mundo, hoje é o país que mais planta florestas e que mais recupera pastos, num ritmo inigualável a qualquer outro concorrente. Eles são ambientalistas? Não, eles são inteligentes e sabem que para fazer recuperação de solos, para fazer recuperação de água, você precisa partir para o movimento regenerativo. Vejo que o Brasil já vem fazendo isso, uma evolução bastante rápida, não só na questão de solos, mas também na utilização de bioinsumos. E é salutar ver a questão da redução do desmatamento. Lamentavelmente, não vemos a mesma redução na degradação florestal. Precisaria de um trabalho mais efetivo para isso.
Urge que a sociedade empresarial e brasileira de forma geral olhe para a questão do desmatamento de forma um pouco mais séria.
As ações que você cita mostram o potencial que temos para liderar a agricultura sustentável. Como ganhar protagonismo?
O movimento já está acontecendo, precisaríamos acelerar. E para acelerar, precisamos de novas fontes e novos modelos de financiamento. Veja um banco, um fundo, que nos últimos 30 anos tem financiado um modelo tradicional de agricultura para soja, por exemplo. Ele tem no seu modelo de risco todos os cálculos inerentes àquela agricultura tradicional. Hoje, para transformar o modelo tradicional para uma agricultura regenerativa, diante dos novos modelos climáticos, exige uma nova conceituação de análise de risco que precisa ser trabalhada. Essa transformação não é simplesmente o agricultor chegar e falar, olha, eu quero mudar. É o sistema financeiro entender que existe um novo modelo de financiamento.
Você é um dos entusiastas do conceito de bioeconomia. Como o modelo econômico pode alavancar a produção e a preservação no país?
A bioeconomia, em termos mundiais, trata da reestruturação dos modelos produtivos, agregando processos adivinhos da natureza, processos biológicos transformativos. Infelizmente, aqui no Brasil, ainda há pessoas que querem simplesmente ligar a bioeconomia àquilo que nós chamamos de sócio bioeconomia. Ou seja, só linkados à questão florestal, à questão da floresta amazônica. E não é isso. A bioeconomia deveria estar hoje sendo discutida em todos os setores produtivos brasileiros, seja na indústria de construção, na indústria de papel e celulose, na agricultura, na indústria farmacêutica, na indústria cosmética, porque aí deriva um grande potencial do Brasil com essa vasta biodiversidade que aqui nós temos. Ainda não acordamos para valer para esse potencial. Vejo com grande satisfação o Brasil ter introduzido o tema no G20, que ocorreu no ano passado aqui no Brasil. Pela primeira vez, a bioeconomia passou a ser tratada pelo conjunto dos 20 maiores países do mundo, por uma iniciativa brasileira. Mas precisamos continuar nesse processo de amadurecimento dos conceitos básicos, porque tem tudo para revolucionar a indústria brasileira.