
Recurso essencial à vida em qualquer ecossistema, a água e a gestão dela têm importância fundamental na adaptação e na mitigação das mudanças climáticas. A conscientização sobre a preservação hídrica vem ganhando mais força diante das urgências do clima e despertado para uma série de iniciativas no âmbito individual e coletivo, muitas delas possibilitadas pelo avanço da tecnologia.
As ações de preservação precisam estar no macro e no micro, ou seja, da grande companhia ao consumidor final da água. O diretor interino da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Nazareno de Araújo, é enfático ao mencionar que a água é o principal elemento com o qual as pessoas terão a dimensão real sobre o impacto das mudanças climáticas.
— A água está para a adaptação assim com o carbono está para a mitigação das mudanças do clima. É como o cidadão comum, seja ele mais rico ou mais pobre, vai entender ou ver materialmente qual é o impacto da mudança — diz Araújo.
Estudos elaborados pela ANA indicam que o Brasil terá 40% a menos de água disponível em boa parte do país até 2040. Isso tudo em um cenário de tendência de crescimento populacional, de expansão do agronegócio e do setor industrial.
— Quase 30 milhões de brasileiros não têm acesso à água e cerca de 95 milhões não têm acesso a esgotamento sanitário. Imagina isso com 40% de água a menos. As pessoas precisam assimilar que nós não teremos água na quantidade necessária para coisas básicas da vida, como abastecimento humano e produção — alerta o diretor.
A exceção na falta d’água é a Região Sul, onde poderá haver acréscimo de quase 5% na disponibilidade hídrica. Esse acréscimo no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina e no Paraná, no entanto, se dará em função de eventos extremos a exemplo do que aconteceu em 2024 no Estado. Ou seja, serão períodos mais intensos e prolongados de seca, alternados a volumes de chuva que podem devastar cidades, aponta a ANA.
A corrida contra o tempo para ampliar a preservação está entre os compromissos da agência pública. Segundo o diretor interino, o Brasil tem tradição em planejamento de recursos hídricos. O entrave, contudo, é a capacidade de investimento em infraestrutura. Outra frente é a universalização do acesso, promovida pelo Marco Legal do Saneamento, com a finalidade de que todo brasileiro tenha acesso à água até 2033.
No âmbito público e privado, a inovação tem levado a boas conquistas na automatização de redes de água, na redução do desperdício e na recuperação de sistemas hídricos danificados. Tecnologias muitas vezes simples que permitem grande diferença na conta final — seja em consumo, seja em gasto financeiro.
No agronegócio, a irrigação por gotejamento é um exemplo do avanço tecnológico. A precisão dos equipamentos hoje disponíveis nas lavouras faz com que o setor consiga produzir mais utilizando menos recursos. Na indústria, é o mesmo caso, com o exemplo do reuso da água em mais de uma etapa do processo produtivo.
Distribuição pública

Entre os desafios da gestão da água no país, a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico cita a perda de recursos na distribuição pública brasileira, em nível muito acima da média mundial.
— Há lugares no Brasil em que se perde de 60% a 70% da água distribuída na cidade. Ou seja, a cada 10 litros, sete você perde. E já vimos o problema que decorre disso quando houve a crise na cidade de São Paulo em 2014 e 2015 — diz o diretor.
Para Araújo, o investimento em tecnologia por parte das companhias de água e de saneamento, a exemplo do que foi aplicado no Estado de São Paulo, é um gasto fundamental para que a distribuição chegue sem prejuízos a todas as ruas do país.
Responsável pelo fornecimento de água e esgoto a 317 municípios do Rio Grande do Sul, a Corsan vem revisando os seus indicadores de perdas e investiu cerca de R$ 20 milhões em macromedição de água tratada desde a sua privatização. Os trabalhos já executados permitiram ganho de eficiência, identificação e eliminação de 23 mil vazamentos em mais de 25 mil quilômetros de extensão de redes.
Conforme a companhia, o Rio Grande do Sul perde 39,5% da água tratada antes que ela chegue às residências. Isso equivale a 512 piscinas olímpicas de água potável desperdiçadas a cada 24 horas no Estado, um número alarmante diante da urgência de se pensar a gestão dos recursos hídricos em meio às mudanças climáticas.
Um satélite de tecnologia israelense é um dos aliados no combate às chamadas “perdas reais”, ou seja, os vazamentos não visíveis na rede. A inovação adotada pela Corsan escaneia o subsolo em busca de vazamentos, identificando o contato da água tratada com o solo através de suas características químicas. O método já mapeou mais de 5,3 mil quilômetros da rede no Estado e permitiu localizar mais de 20 mil vazamentos. Outro recurso é o geofone, instrumento que permite identificar possíveis vazamento a partir do ruído detectado pelo aparelho junto ao solo.
Além das perdas reais, outro alvo são as chamadas “perdas aparentes”, aquelas causadas por fraudes, submedição e ocupações irregulares. A instalação de novos hidrômetros nas áreas atendidas tem ajudado a regularizar o consumo.
Segundo a Corsan, a modernização do sistema de distribuição já resulta em quedas significativas em cidades como Alvorada e Viamão, na Região Metropolitana, e Santa Cruz do Sul, no Vale do Rio Pardo, gerando uma economia de 30 milhões de metros cúbicos de água por ano.
Quando temos vazamentos, além de desperdiçar água, temos um impacto ambiental. Temos que deslocar uma retroescavadeira, que tem impacto pelo combustível, temos que remover o pavimento de asfalto... É uma cadeia inteira de insumos envolvida se não há gestão correta da perda d 'água. A cada vazamento a menos, temos uma série de impactos ambientais a menos também.
RODOLFO FUCHS
Gerente de operações da Corsan
De olho no consumo

A possibilidade de gerir o consumo da água com base no controle adequado da vazão de torneiras e chuveiros não elétricos se tornou negócio para a Blue World, empresa de sede catarinense e atuação nacional. A partir de um dispositivo simples instalado nos utensílios, a tecnologia consegue mensurar a quantidade de água utilizada, ajustando a vazão ideal para que não ocorra desperdício.
Muito mais do que benefício financeiro, o mecanismo traz conservação e consciência ambiental, destaca o CEO da Blue World, Robson Silva. A inovação tem sido aplicada a clientes empresariais, como restaurantes e hotéis, mas terá como passo seguinte a expansão para clientes individuais, de uso residencial.
— Nem todo mundo entende que o recurso hídrico é a água disponível para a manutenção da vida. Viemos desde 2018 olhando para isso e entendemos que no futuro seria um problema — diz Silva, sobre o início do negócio.
A implementação da tecnologia já possibilitou a economia de mais de 69 milhões de litros de água desde 2023 nas cerca de 15 mil válvulas instaladas pela empresa. O equipamento não interfere no funcionamento da operação, apenas regula o volume.
— Os negócios continuam funcionando da mesma forma, só que com menos desperdício a partir da medição da vazão, sem perda do conforto. O volume economizado não só fica na água que é preservada, mas na geração de menos efluentes, porque 80% da água se transformaria em esgoto. Então, há uma redução da poluição, inclusive. O impacto se dá em uma cadeia muito grande — destaca Silva.
Na avaliação do CEO, a adesão pelas iniciativas que reduzem o consumo conversa com o aprofundamento da pauta ESG (Ambiental, Social e Governança) nos últimos anos. Há uma visão muito mais clara, diz, sobre a necessidade de se investir recurso pela preservação, o que tem a ver com a própria sustentabilidade dos negócios:
As empresas maiores já entenderam que não se trata de ter mais lucro, mas de se permanecer vivas. O meio ambiente precisa seguir funcionando. O que tem acontecido nessa agenda é uma visão muito clara de que é preciso mobilizar e investir recurso pela preservação e pela sustentabilidade da água.
ROBSON SILVA
CEO da Blue World
Preservação em todo o ciclo

Visíveis aos olhos do consumidor, as ações das empresas ficam de exemplo sobre como conduzir, na prática, a gestão de recursos.
Desde a construção da sua primeira loja circular, em 2021, a Lojas Renner vem ampliando atributos de sustentabilidade em seus pontos de venda, como uma vitrine das ações em ESG. A iniciativa não só otimiza as operações físicas rumo à redução do desperdício como aproxima o público consumidor da pauta ambiental.
O conceito de loja circular explorado pela varejista foca em unidades sustentáveis que reaproveitam, reusam, reciclam e descartam da forma responsável. Os elementos estão presentes desde a escolha dos materiais que compõem os manequins, feitos de resina reciclável, até o tecido de algumas peças, feitas de algodão agroecológico.
Nas lojas, os quesitos sustentáveis focados na gestão da água preveem autonomia e monitoramento remoto do consumo, dispositivos economizadores, torneiras e bacias sanitárias de baixo fluxo e medidas para prevenção e detecção de vazamento. A meta é atingir 68% das unidades com equipamentos de menor consumo até 2030. Mas as ações começam muito antes dos pontos físicos, já na concepção das peças.
Os centros de distribuição, de onde partem os itens que abastecem as lojas, possuem sistemas de captação de água pluvial e tratamento de efluentes. Os resíduos que seriam descartados são utilizados em banheiros para a descarga dos sanitários.
Eduardo Ferlauto, gerente geral de sustentabilidade da companhia, diz que desde 2017, quando foi lançado o Programa Rede Responsável, a Renner se volta ao que chama de monitoramento de pegada hídrica, definindo metas de consumo para fornecedores de maiores volumes e treinamentos sobre gestão hídrica e de efluentes.
Graças ao engajamento dos parceiros, em 2024 alcançamos a marca de 47% de peças em jeans e sarja nacionais provenientes de fornecedores classificados como de baixo consumo de água, de acordo com o monitoramento do Programa de Pegada Hídrica. Além disto, 43,75% dos fornecedores possuem Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) com práticas de recirculação.
EDUARDO FERLAUTO
Gerente geral de sustentabilidade da Lojas Renner
As ações de gestão hídrica implementadas permitiram à Renner alcançar em 2024 a redução de 21,9% no consumo de água nas operações próprias e aumento de 159,4% no volume de água recuperada e reutilizada em relação ao ano anterior.
Ações simples para reduzir o consumo de água
Em casa
- Tomar banho mais curto
- Deixar o chuveiro ligado apenas quando for enxaguar
- Fechar a torneira durante a escovação dos dentes ou ao lavar a louça
- Acumular roupas para lavar com a máquina cheia
- Reaproveitar a água da máquina para outras tarefas de limpeza
- Adotar sistemas de reuso de água nos condomínios
Nas empresas
- Adotar a circularização da água no ciclo produtivo
- Qualificar instalações hidráulicas para reduzir desperdício
- Controlar a vazão das instalações hídricas
- Recuperar regiões próximas dos mananciais que geram água
- Trabalhar a conscientização junto aos colaboradores