
Veranistas começaram a perceber que as cócegas nos pés causadas pelas tatuíras na beira da praia foram se tornando cada vez mais raras. Não é apenas impressão: essa redução na presença dos bichinhos acendeu um sinal de alerta para os cientistas.
— A tatuíra que conhecemos, que é a espécie Emerita brasiliensis, está mostrando uma diminuição da sua abundância, principalmente em praias urbanizadas, que têm mais trânsito, incluindo carros na praia, como no Cassino (no litoral sul gaúcho) — explica André Colling, professor do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg).
Efeitos da poluição
Este intenso movimento no litoral aumenta a poluição e isso causa a diminuição de espécies que vivem nestes ambientes. A tatuíra é um dos animais que mais sofrem com essa mudança em seu hábitat, conforme Mariana Terossi, professora do Laboratório de Carcinologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS):
— As tatuíras têm alimentação por filtração, utilizando suas antenas para filtrar o material que passa pela água. Elas se alimentam de seres microscópicos, como zooplâncton e fitoplâncton. Se a água está muito poluída, não vai ter muito bicho vivendo naquela área e ela não vai ter com o que se alimentar.
Brincadeira prejudicial
Como a tatuíra vive na zona de arrebentação, sofre com o esmagamento por pisoteamento e pela passagem de veículos. O contato com seres humanos, especialmente crianças, que pegam os pequenos crustáceos nas mãos para brincar, também é prejudicial para os bichinhos, de acordo com a professora da UFRGS.
A fêmea adulta solta ovos no mar, que por lá eclodem e, em forma de larvas, ficam de quatro a cinco meses, até voltarem para a areia da beira-mar. Mas desses ovos, poucos sobrevivem. E esse processo, que já é difícil para os crustáceos, é complicado ainda mais pela presença humana, como observa Colling:
— Quando os (organismos) juvenis, chamados de "recrutas", chegam à praia, já sofrem o impacto do pisoteio, da pessoa tirando o organismo da areia, e com o trânsito de carros. Com isso, chegam à praia, mas não conseguem crescer.

Desequilíbrio ambiental
Mas, afinal, o que ocorre se as tatuíras sumirem? Para começar, a espécie é um importante bioindicador. Sua diminuição significa praias poluídas, uma vez que seu alimento não está mais presente nas águas. Mas também pode trazer desequilíbrio para o ecossistema, como explica Mariana, da UFRGS:
— A tatuíra faz parte de uma grande cadeia alimentar, sendo alimento dos peixes e outros animais. Se reduz o alimento dos peixes, pode reduzir a população de peixes, que têm interesses ecológicos e econômicos, pois há muita atividade pesqueira no litoral. Então, haverá desequilíbrio ambiental e influenciará os recursos pesqueiros.
Colling, da Furg, complementa:
— Se em determinado local as tatuíras desaparecem, é muito provável que as espécies que se alimentam das tatuíras também vão desaparecer ou diminuir muito. Por exemplo, aves, caranguejos e siris. Dependendo da magnitude disso, começa a haver um efeito cascata, modificando o ecossistema.
Onde as espécies se mantêm
Em suas pesquisas no litoral gaúcho, com destaque para a Região Sul, o professor da Furg verificou que as tatuíras estão, de fato, quase desaparecendo no trecho amplamente frequentado por turistas. Porém, os trechos menos povoados ainda abrigam grande quantidade dos pequenos crustáceos:
— Falando do extremo sul do Brasil, são 220 quilômetros de praia, de Rio Grande até o Chuí. Desse total, temos aproximadamente 20 quilômetros muito impactados, sobretudo no verão, momento no qual as espécies se reproduzem. Mas, tirando esse trecho, temos dezenas e dezenas de quilômetros onde a espécie se mantêm. Ou seja, dizer que a espécie está em risco é um pouco demasiado, porque se mantém em vários locais, onde, felizmente, ainda encontram as condições apropriadas para seu desenvolvimento.
Mariana, da UFRGS, explica que a espécie Emerita brasiliensis é encontrada do México até o Rio Grande do Sul. Porém, com o aquecimento global, os animais podem ir descendo mais pela costa, chegando ao Uruguai, que tinha as suas águas mais frias, cenário que está mudando. A tatuíra prefere temperaturas mais quentes.

Pesquisa no Rio de Janeiro
Reportagem publicada pela Agência Brasil mostrou que pesquisadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) estão investigando as razões para o desaparecimento das tatuíras (por lá, conhecidas como tatuís), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
A pesquisa aponta uma diminuição considerável do crustáceo desde a década de 1990. Indica que algumas praias são "fontes", onde novos indivíduos são gerados e depositados no mar, e outras são "sumidouros", recebendo as tatuíras, mas não fornecendo as condições adequadas para seu crescimento e reprodução.
Uma amostragem sistematizada de 189 fêmeas ovígeras, coletadas ao longo de um ano na Praia de Fora, no Rio de Janeiro, indicou que a fecundidade média foi de 5,3 mil ovos por fêmea. No entanto, há uma perda significativa de ovos viáveis durante o desenvolvimento embrionário na areia e de larvas dispersadas no oceano. No final, menos de 1% dos ovos resultaram em novos indivíduos.
As tatuíras que conseguem perseverar nessa primeira batalha retornam às praias como "recrutas". Ainda têm uma carapuça frágil e passam a viver enterrados na areia, principalmente na região de espraiamento, a parte que é constantemente molhada pelas ondas.
Por isso, os recrutas estão constantemente vulneráveis ao pisoteamento ou esmagamento em praias frequentadas por humanos, e as praias menos acessadas registram maior densidade de animais, conforme observado pelos pesquisadores gaúchos.