Um ano se passou e a menina Ana Carolina Steimbach Neves luta para se recuperar das graves sequelas de um acidente que matou o pai e deixou ela em estado semivegetativo.
Os olhos atentos acompanham tudo ao seu redor. Em casa, aos cuidados de um home care, Ana segue cada movimento. O vai e vem das visitas, os trabalhos da fisioterapia e as frases de motivação ditas pela mãe. A evolução é demorada. Ana não fala e precisa de ajuda para fazer tudo. Mas para a menina de apenas nove anos que passou meses no hospital em estado gravíssimo, cada dia é uma vitória, como descreve a mãe, Indionara Steimbach.
‘’Nós vivemos uma luta super intensa. E graças as campanhas e as ajudas, a Ana faz fisioterapia, fonoaudióloga, vai à equoterapia. A gente está trabalhando a questão da comunicação, também, enfim. Quero inserir ela na escola. Tenho muitos planos. Pena que as coisas não são tão fáceis’’, explica ela.
Ana voltava da escola na carona da moto conduzida pelo pai na estrada Costa Gama, na zona sul de Porto Alegre. Um carro em alta velocidade bateu na moto. Paulo Rogério de Paula Neves, 38 anos, que havia entrado de férias naquele dia, morreu na hora. O motorista do carro fugiu. Deixou para trás, sem prestar socorro, a menina em estado gravíssimo. Ana ficou entre a vida e a morte durante meses até conseguir ir para casa. A vida dela e da mãe mudou completamente desde aquele julho de 2015.
‘’Foi avassalador. Tirou-nos qualquer tipo de possibilidade de ter uma vida regular. Hoje, passando um ano, ainda aprendemos diariamente a conviver com as limitações que conhecemos depois do acidente. Ela ainda não fala, mas toda vez que uma moto para na frente de casa eu sinto que o olhar dela muda e fica nítida a esperança que ela tem que o Paulo ainda volte para casa’’, conta Indionara.
Um mês depois do acidente a polícia prendeu dois homens apontados como responsáveis. Os suspeitos são o proprietário de uma fruteira na região do Vale do Sinos e o funcionário dele. Segundo a polícia, a mando do proprietário, o funcionário foi furtar o carro, um Renault Logan preto, que o patrão havia dado como pagamento de uma dívida para um morador do Bairro Lami, ou seja, furtou o veículo que ele havia vendido.
O homem apontado pela polícia como mandante não foi denunciado pelo Ministério Público, que entendeu não haver provas suficientes. Já o responsável direto pelo acidente, aquele que estava dirigindo o carro, confessou o crime no depoimento ao juiz, se disse arrependido e foi solto na semana passada. Ele vai responder em liberdade. O juiz entendeu que ele não oferecia mais riscos.
“Pelas provas já colhidas nós temos convicção que ele será mandado para o julgamento no tribunal do Júri. Quanto a questões de indenizações financeiras, a condenação dele definitiva gera o dever de indenizar as vítimas”, explica o advogado Paulo Dariva, que presta assistência jurídica para a família de Ana.
O caso da menina é um entre tantos outros em que pessoas têm suas vidas modificas por causa da imprudência e da irresponsabilidade no trânsito. Lidar com isso é um grande desafio, explica a psicóloga Cássia Oliveira.
“A gente acaba tendo que dizer adeus a um futuro que a gente planejou. Então, como a gente vai lidar como essa nova perspectiva da mudança, vai definir como é esse processo de luto a longo prazo. É esperado que a pessoa sofra muito, mas a longo prazo a ideia é que se construa uma nova perspectiva frente a isso”, ressaltou Cássia.
Ana acompanhada da mãe, Indionara, durante tratamento de recuperação
O acidente que tirou a vida do pai de Ana e modificou a vida dela é um dos que mais ocorre em Porto Alegre. Em 2015 foram 3852 acidentes somente envolvendo motos. Deste total, 3.643 pessoas ficaram feridas e 37 morreram. Em 2016, no primeiro semestre foram mais de 1,3 mil acidentes com motos, sendo que sete pessoas morreram. No Rio Grande do Sul, de janeiro até agora, 678 pessoas morreram no trânsito; 180 das vítimas estavam em motos. Os números do ano passado também chamam a atenção. Em 2015 ocorreram 1.735 mortes no trânsito em todo o estado, sendo que 434 envolveram motociclistas ou pessoas que estavam na carona de motos.
Para o presidente da Empresa Pública de Transportes e Circulação (EPTC), Vanderlei Cappellari, os acidentes com motos, assim como os atropelamentos, são o foco de atenção dos órgãos trânsito, pois matam mais ou deixam sequelas graves. No entanto, em muitos casos, como o da menina Ana Carolina, os órgãos de fiscalização pouco têm a fazer.
“São pessoas que tem comportamento agressivo e acabam vitimando pessoas que não tem nada a ver. Esses são momento que a gente, realmente, não tem muito o que fazer. É preciso coibir com a punição. Espero que o judiciário se faça valer da punição para que possamos coibir esses comportamentos individuais”, disse Cappellari.
O Brasil, segundo os últimos dados da Organização Mundial da Saúde, apresenta uma taxa de 23 mortes no trânsito para cada 100 mil habitantes.
Para aqueles que não morrem, mas ficam com sequelas graves, como a menina Ana Carolina, resta à expectativa de tentar viver o mais próximo possível da normalidade.
“Não tem valor no mundo que irá consegui reparar o que a gente perdeu. Só espero que a Justiça me ajude a ter condições necessárias para o tratamento dela. É muita coisa para se fazer para que um dia ela tenha o mínimo de condições aceitáveis para uma criança da idade dela”, disse a mãe de Ana Carolina.
Indionara está afastada do trabalho desde o acidente. Parte do tratamento é pago pelo plano de saúde e também com dinheiro arrecadado com campanhas organizadas por familiares e amigos.
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