Por Alberto Kopittke, autor do “Manual de Segurança Pública Baseada em Evidências”
No século 17, Galileu não teve sucesso para que seus colegas olhassem as estrelas através da luneta, considerada um instrumento satânico. Desafio semelhante parece estar ocorrendo com as câmeras de corpo no Brasil.
Atualmente, mais de 80% dos grandes departamentos de polícia dos EUA já usam câmeras, e o mesmo ocorre nas maiores polícias da União Europeia e do Reino Unido. Até o momento, pelo menos 33 estudos de alta qualidade científica já foram publicados em nível mundial sobre o impacto das câmeras de corpo.
O experimento feito com a pioneira Polícia Militar de SC mostrou que as câmeras provocaram uma redução de 61% no uso da força e uma queda de 28% nos registros de desacato ou resistência
Nenhum deles constatou que as câmeras reduziram as atividades das polícias e resultaram em aumento de crimes. Pelo contrário. No experimento feito pela polícia de Nova York, com 4 mil policiais, aqueles que usavam câmeras realizaram 40% mais abordagens e também tiveram uma queda de 21,1% nas queixas por uso abusivo da força.
As câmeras reduzem as interações negativas contra policiais, como desacato e agressões. Além disso, têm sido muito usadas para aprimorar a formação dos policiais e evitar que cometam equívocos que possam colocar suas vidas em risco. E as imagens têm servido também para aumentar o registro de crimes e as denúncias e condenações de criminosos.
Na média dos estudos já publicados no mundo, o uso das câmeras provocou uma queda de 7% no uso da força por parte dos policiais e uma queda de 16% nas queixas dos cidadãos contra os policiais.
No Brasil, o experimento, feito com a pioneira Polícia Militar de Santa Catarina, que entre outros aprimoramentos implantou câmeras em todas as equipes desde 2019 (justamente desde quando os índices de criminalidade vêm caindo fortemente no Estado), mostrou que as câmeras provocaram uma redução de 61% no uso da força e uma queda de 28% nos registros de desacato ou resistência, sem qualquer aumento de crimes.
Em São Paulo, a utilização das câmeras entre 2019 e 2022 provocou uma queda de 56% nas mortes por intervenção policial, sem aumento significativo de indicadores criminais (que estão disparando justamente no ano em que assumiu um governo anticâmeras).
A retórica negacionista gosta de insuflar medos e polarizações para ganhar votos. Mas como vimos em temas como a vacinação e o aquecimento global, isso provoca atraso e costuma custar muitas vidas. Tomara que as câmeras não sejam barradas por aqueles que preferem não usar bons instrumentos para aprimorar sua visão do mundo.