Um dos maiores escândalos da história recente gaúcha se arrasta na Justiça. Processos que tratam da fraude envolvendo contratos para fornecimento de merenda para escolas públicas de Canoas e Sapucaia do Sul não têm sequer prazo para julgamento. São dezenas de réus, entre eles, empresários, dois ex-prefeitos, ex-secretários municipais e as duas prefeituras.
A fraude consistia no superfaturamento de contratos e fornecimento de produtos de má qualidade para as refeições dos estudantes. Quatro processos foram movidos pelo Ministério Público Federal, sendo duas ações civis públicas e duas criminais. Em Canoas, a Ação Civil Pública tem 30 volumes e já trocou pelo menos cinco vezes de juiz. O processo está parado há um ano. O juiz da 2ª Vara Federal de Canoas, Roberto Shan Ferreira, explica o motivo.
"Essa ação da merenda escolar de Canoas ela foi objeto primeiro de uma alegação de uma suspeição de um juiz que trabalhou lá no início da ação. Foi arguida a suspeição dele. Ou seja, que ele não teria uma isenção para agir na ação. Essa Exceção de Suspeição tramitou e chegou no Superior Tribunal de Justiça e o STJ determinou que se suspendesse a ação. E por isso, ela desde de 10 de setembro de 2013 suspensa", destaca o magistrado.
O juiz citado pelo magistrado é agora titular da 25ª Vara Federal de Porto Alegre. Guilherme Pinho Machado garante que não havia qualquer motivo para ser considerado impedido no processo. Entre os réus na ação, estão o ex-prefeito de Canoas e agora vereador no município Marcos Ronchetti, o ex-secretário de Governo de Canoas Francisco Fraga, o ex-secretário de Educação Marcos Zandonai, e o dono da empresa SP Alimentação, Eloizo Duraes. Essa ação de Canoas foi movida pelo Ministério Público Federal em 6 de dezembro de 2007. Segundo o juiz, concluído o julgamento da suspeição pelo STJ, será possível sentenciar o processo.
"É um processo com 30 volumes ou mais. Vai exigir trabalho, mas é um processo que para nós ele é prioritário, porque é um processo de uma repercussão social muito grande e a sociedade precisa desse retorno. Então, nós calculamos que em torno de um mês, um mês e meio nós teríamos condições de julgar", adianta o juiz.
Roberto Shan Ferreira admite que as cinco trocas de juízes num processo complexo como esse atrasam ainda mais o trabalho.
"Tanto que um dos princípios do processo é que quando possível o juiz que faz a instrução, que é a ouvida de testemunhas, o acompanhamento da perícia, seja o mesmo. Que haja uma identidade para o juiz. Porque é muito mais fácil para o juiz que acompanhou a produção da prova julgar o caso", lamenta o juiz.
Já Ação Civil Pública referente à fraude da merenda escolar em Sapucaia do Sul foi movida um pouco depois, em 2008. Mas detalhe: o processo ficou parado por mais de três anos, entre 1º de dezembro de 2008 a 26 de março de 2012, em razão de um recurso contra decisão que bloqueou os bens dos réus. O juiz federal-substituto que é responsável pelo processo, Felipe Veit Leal, da 2ª Vara Federal de Canoas, explica.
"Teve uma decisão que deferiu uma liminar do Ministério Público no sentido de bloquear os bens dos demandados e por conta disso, houve um recurso de agravo no Tribunal Regional Federal que acabou por determinar a suspensão do andamento desse processo", explica o juiz.
O juiz relata ainda que a grande quantidade de réus dificulta a agilidade do processo.
"A própria localização dos demandados que residem fora do Estado do Rio Grande do Sul, muitos em São Paulo, demandando cartas precatórias, já demanda um tempo bastante longo", afirma o magistrado.
Entre os que respondem à Ação Civil Pública referente a Sapucaia do Sul, estão o ex-prefeito do município Marcelo Machado, o ex-vice-prefeito Gilberto Alves e o ex-secretário municipal de Educação Flávio José Fialho. A mesma empresa que operava em Canoas, a SP Alimentação, e seu proprietário, Eloizo Duraes, também são réus. A ação sequer teve a citação de todos os réus para apresentar defesa. O juiz Felipe Veit Leal também é responsável pelas ações penais de Canoas e Sapucaia.
"A de Canoas aguardando a apresentação da última defesa. Todos os demais réus já apresentaram suas respostas à denúncia", conta o juiz.
O magistrado conta que na ação penal de Sapucaia do Sul um réu foi morar no exterior e há dificuldades para encontrá-lo.
"Houve a separação do processo com relação a um dos réus, porque não estaria mais residindo no Brasil, faltando a localização de apenas um dos acusados. Já está com o Ministério Público para diligências", relata.
Entre os crimes que os réus respondem estão formação de quadrilha, crimes da Lei de Licitações, enriquecimento ilícito e corrupção. Atualmente, nenhum está prescrito.
O que diz o Ministério Público Federal:
Jorge Irajá é o terceiro ou quarto procurador da República a atuar nos processos. Ele ainda não teve acesso à toda a ação de Canoas, porque são 30 volumes em papel. Disse que pretende se inteirar mais do caso para se manifestar.
O que dizem os réus:
Fraude em Canoas
Marcos Ronchetti
Advogado do vereador de Canoas Marcos Ronchetti, Marcelo Marcante: "A questão do desvio foi objeto de perícia nos autos da Ação de Improbidade Administrativa e a própria perícia chegou à conclusão de que o método utilizado pelos tribunais de contas, esse método ele estaria equivocado e isso viria a fragilizar todo o estudo que indica esse suposto superfaturamento na merenda escolar".
Francisco Fraga
Advogado de Francisco Fraga, Ricardo Cunha Martins: "Os tribunais superiores anularam várias vezes os processos de Canoas por erros processuais. Não há envolvimento algum do meu cliente nos crimes apontados. Quando fecharam os contratos (para fornecimento de merenda escolar), Francisco Fraga não participou das negociações. Sei que na militância partidária ele não participa mais. Estava muito doente".
SP Alimentação, Gourmaitre Cozinha Industrial, Eloizo Duraes, Valmir Santos, Vilson do Nascimento, Silvio Marques e Edivaldo Santos
Advogado das empresas e dos réus, Fábio Poletto: "Eles não tem qualquer participação em desvio de dinheiro e superfaturamento".
Marcos Zandonai
O advogado de Marcos Zandonai, Danilo Cardoso de Siqueira, não atendeu às ligações.
Carlos Roberto Medina
O réu não foi encontrado pela reportagem.
Fraude em Sapucaia do Sul
Marcelo Machado, Gilberto Antônio Alves e Flávio José Fialho:
Os réus não foram encontrados pela Rádio Gaúcha;
SP Alimentação, Gourmaitre Cozinha Industrial e Eloizo Duraes:
Advogado das empresas e dos réus, Fábio Poletto: "Eles não tem qualquer participação em desvio de dinheiro e superfaturamento".
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