Tanto a estagiária de Jornalismo Paola Silveira, 24 anos, quanto a assistente de atendimento Alexandra Lima, 28 anos, vivem bons momentos profissionais. Foram integradas às suas equipes de trabalho, desempenham suas atividades sem qualquer ressalva e veem uma perspectiva de futuro no mercado de trabalho. Apesar disso, as duas concordam que essa não é a realidade da maioria do público que, como elas, são pessoas com deficiência (PCDs).
Do lado das empresas, a percepção é parecida. Existem casos de sucesso, mas há avanços que precisam ser buscados, garante o presidente da Fundação Gaúcha do Trabalho e Ação Social (FGTAS), José Scorsatto:
– Seguimos com alguns dilemas. Muitas empresas ainda estão em um processo de adaptação para que possam oferecer espaço, ambiente e condições adequadas. Mas há uma boa vontade. Vemos empresários que não criam barreiras e, pelo contrário, preparam suas equipes, as conscientizam – observa.
Dificuldade de acesso à educação
Sobre as empresas, a assistente de recursos humanos da Associação Canoense de Deficientes Físicos (Acadef) Taís Camargo afirma que, ainda que possam ser destacadas exceções, há, realmente, uma falta de preparo. Segundo Taís, várias reclamam das dificuldades de se contratar e reter profissionais com deficiência:
– Mas muitas com as quais converso e querem contratar não estão prontas para assessorar, integrar à equipe. Sinto que, se não tivéssemos a lei de cotas, talvez nem conseguíssemos (incluir as PCDs).
As cotas em questão estão previstas na Lei número 8.231/91, que trata dos planos de benefícios da Previdência Social e que, no artigo 93, determina que empresas com cem ou mais funcionários devem contratar PCDs para uma parte dos cargos. O percentual varia progressivamente de acordo com o número total de colaboradores. Só que, para Taís, mesmo com essa garantia, a inclusão de PCDs no mercado de trabalho esbarra em um grande obstáculo: a qualificação. Ou a falta dela.
– As pessoas com deficiência têm um acesso mais difícil à educação. Desde o Ensino Fundamental e Médio, que não são inclusivos. Isso, depois, se transforma em um empecilho. Essas pessoas acabam em subempregos e, consequentemente, as empresas têm dificuldades para retê-las – comenta.
Mudança de atitude
Outro ponto, levantado pela analista de Diversidade e Inclusão da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Bruna Bernardes, é que, mesmo para profissionais com maior nível de qualificação, existem desafios. Sobretudo, quanto à acessibilidade.
– E acho que o principal aspecto a ser trabalhado é o da acessibilidade atitudinal. Ou seja, sensibilizar a equipe e fazer com que todos entendam a importância da inclusão. Tudo começa pela atitude. Só com esse olhar mais crítico é que se consegue trabalhar outros tipos de acessibilidade – conclui a especialista.
Bruna defende que, quando as empresas entendem isso, o preenchimento da cota previsto pela lei deixa de ser uma obrigação e passa a ser uma consequência. Torna-se o resultado de um processo de inclusão bem-sucedido.
– Acho que o primeiro passo é um setor de recursos humanos capacitado e acolhedor, com uma área de treinamento que desenvolva equipes e gestores para ser do mesmo jeito. E sinto que estamos caminhando para isso. Vejo muitas empresas entendendo que é mais do que cota, é responsabilidade social.
“A pessoa com deficiência é sempre subjugada”
Quando terminou o Ensino Médio, Paola Silveira, moradora do bairro Estância Velha, em Canoas, lembra que ficou “perdida”:
– Minha irmã gêmea era minha colega (de escola) e meu ponto de referência. Eu tenho paralisia cerebral, que atingiu minha coordenação motora, e ela sempre esteve ali para o que eu precisasse. Então, naquele momento, fiquei com muito medo do que estava por vir, porque não temos uma perspectiva de qualificação. A pessoa com deficiência é sempre subjugada.
Foi apenas depois de um tempo em casa, quando recebeu uma ligação da Acadef, oferecendo uma vaga de aprendizagem, que as coisas começaram a mudar. Paola conta que, por impulso, decidiu arriscar e aceitar. E não se arrependeu.
Ela pontua que a vivência no programa de aprendizagem na instituição abriu para ela um mundo de possibilidades. Após o término da formação de aprendiz, chegou até a ser efetivada em uma empresa, mas não pôde permanecer:
– Fui bem recebida, mas tinha que andar de trem para ir e voltar e, pela dificuldade motora, me sentia muito insegura. Não acho um meio de transporte acessível. Então, comecei a ter crises de pânico e pedi para sair.
A pequena frustração, porém, não freou a jovem. O sonho de ser jornalista, reprimido pela falta de representatividade, voltou à tona.
– Voltei a estudar, fiz o Enem. Hoje, estou no quarto semestre de Jornalismo e sou estagiária da Acadef. Sou apaixonada pelo meu trabalho e descobri profissionais como eu. Por isso, acho que ninguém deve desistir – finaliza.
“Não queremos barreiras, queremos inclusão”
Para Alexandra Lima, moradora do bairro Rio Branco, em São Leopoldo, o programa de aprendizagem também foi muito importante. Todos os trabalhos pelos quais passou foram conseguidos por esta modalidade. Um instrumento que permitiu a ela chegar aonde chegou e alertar sobre a importância dessa conquista:
– Estou muito feliz e sinto que represento as pessoas com síndrome de Down. Precisamos fazer isso, mostrar para gerentes, supervisores, para as empresas, que queremos estar no mundo do trabalho. Não queremos barreiras, queremos inclusão.
Dentro deste objetivo, a família é fundamental. Alexandra, por exemplo, tem a companhia constante da mãe, Ângela, 61 anos. Ela é uma peça fundamental, seja mediando a relação com as empresas ou atuando para facilitar a interação da filha com outras pessoas.
Foi assim nas experiências profissionais anteriores à de assistente de atendimento na rede de farmácias Panvel, que Alexandra ocupa atualmente.
– Temos direitos, mas a família é muito importante para conseguirmos (acessá-los). Para chegarmos aos programas de aprendizagem. Mas não é só isso, precisamos da ajuda das empresas, da mídia, de todo mundo que possa mostrar às pessoas com deficiência que elas podem conquistar o que quiserem – fala.
Entenda a atividade de aprendiz
Para pessoas com deficiência, os programas de aprendizagem são um facilitador de acesso ou retorno ao mercado de trabalho. Isso porque, no caso deste público, não há limite de idade para participar nem um limite de vezes para ser aprendiz. Em geral, para pessoas sem deficiência, a idade máxima é 24 anos, e só é possível participar do programa uma vez.
– Entendo que é uma estratégia para oferecer uma formação teórico-prática para as pessoas e uma forma de as empresas terem mão de obra qualificada, pronta para efetivar – pontua Bruna, que destaca o programa de aprendizagem criado pela PUCRS em parceria com o Senac-RS.
INSCREVA-SE
- O Senac-RS oferece diversas vagas para aprendizagem. É possível se inscrever pelo site. Para mais informações, clique aqui.
- Para acessar orientações sobre o programa de aprendizagem da Acadef, clique aqui.
*Produção: Guilherme Jacques