Professor de literatura do Grupo Unificado, Diego Grando comenta os contos de Murilo Rubião selecionados pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para o vestibular de 2014. Os textos são uma das quatro novidades na lista de leituras obrigatórias.
O autor
Murilo Rubião estreou na literatura ainda na década de 1940 e produziu uma obra bastante concisa. São apenas 33 contos publicados em livros. A produção do contista mineiro é, ainda hoje, pouco conhecida do grande público. Nesse sentido, a escolha da UFRGS assinala o empenho de valorizar e divulgar o autor e seu estilo.
O realismo fantástico
Os contos de Murilo Rubião filiam-se a uma vertente conhecida como realismo fantástico, ou realismo mágico. Trata-se de uma corrente literária interessada em construir narrativas em que acontecimentos inexplicáveis e/ou impossíveis (do ponto de vista lógico ou científico) adentram o universo real (tal qual o conhecemos) sem terem sua existência questionada. Produz-se, assim, um efeito de estranhamento no leitor, que se defronta com cenas absurdas em situações absolutamente cotidianas.
Em Teleco, o Coelhinho, por exemplo, depois de ser abordado por um coelho falante que lhe pede um cigarro, o narrador-personagem decide adotá-lo, e só então descobre que Teleco é um coelho metamórfico, capaz de se transformar em todos os tipos de animais. Já em O Edifício, a empolgação inicial do protagonista, o engenheiro João Gaspar, vai sendo transformada em dúvida, e então em desespero, conforme vai percebendo que a obra que administra (um arranha-céu que já passa de 800 andares) é uma construção que jamais terá fim.
A linguagem
O que pode surpreender no estilo de Murilo Rubião é a presença de uma linguagem clara, objetiva, contrastando com os enredos desconcertantes. Essa mescla de situações absurdas com uma linguagem sóbria, acessível, amplifica a sensação de estranhamento na leitura dos contos.
Os narradores
Importante na análise de qualquer narrativa, o narrador é outra peça fundamental na criação da atmosfera dos contos de Murilo Rubião. Identificar não apenas sua posição, se em primeira ou terceira pessoa, mas seus comentários (ou sua ausência) diante dos fatos narrados é indispensável para a compreensão dos contos.
No conto O Pirotécnico Zacarias, o narrador-protagonista demonstra dúvidas sobre a própria condição: "Em verdade morri, o que vem ao encontro da versão dos que creem na minha morte. Por outro lado, também não estou morto, pois faço tudo o que antes fazia e, devo dizer, com mais agrado do que anteriormente".
Em Bárbara, a trajetória da mulher que engorda descontroladamente à medida que seus desejos obsessivos são satisfeitos (primeiro, ela pede o oceano, em seguida, o baobá de 10 metros plantado no pátio do vizinho e, ao final, uma estrela) é narrada pelo marido, que é justamente quem realiza as vontades da esposa.
As epígrafes
O uso de epígrafes é um procedimento adotado por Murilo Rubião em toda a sua produção. Nos 12 contos selecionados, o vestibulando vai deparar com epígrafes extraídas da Bíblia, mais especificamente do Antigo Testamento. É interessante perceber que o contista não as usa por seu sentido religioso, mas como chaves de leitura ou ampliação do sentido das narrativas. Assim, recomenda-se que o vestibulando releia a epígrafe após a leitura de cada conto.