Se o Brasil fosse uma bebida, certamente seria efervescente, vibrante, alegre e refrecante. Em outras palavras, um espumante. Quem conhece os brasileiros pode afirmar que sabemos como nos divertir: pelo mundo afora, somos lembrados por nossa paixão e intensidade. Essa essência se traduz na produção nacional deste vinho borbulhante cujo consumo cresce e, cada vez mais, ganha reconhecimento global e coloca o país entre os melhores produtores da bebida na América Latina.
O Brasil produz cerca de 40 milhões de litros de vinho fino por ano, dos quais pouco menos da metade (18,7 milhões) é de espumante. O volume é pequeno, mas permite que as cerca de 150 vinícolas nacionais que trabalham com essa iguaria tenham um controle mais rigoroso sobre o que é feito, garantindo maior qualidade. Isso é comprovado pelos prêmios conquistados pelos sparkling wines nacionais.
– O mercado e os especialistas de outros países foram os responsáveis por perceberem a qualidade do espumante brasileiro antes mesmo dos próprios consumidores. Foi, e está sendo, por meio das inúmeras premiações nos concursos internacionais que os nossos espumantes mostraram a cara para o mundo – explica o presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE), Edegar Scortegagna
A tradição vitivinícola por aqui começou no final do século 19, quando os primeiros imigrantes italianos chegaram ao Rio Grande do Sul e perceberam a fertilidade da terra, que a tornava perfeita para o plantio de videiras. Por causa da aptidão natural do terroir gaúcho e do trabalho das vinícolas, o Estado é responsável por 90% de todo espumante feito no país, conforme a ABE.
– Estamos entre as latitudes sul, onde, no mundo, se produz uva e vinho de qualidade. A peculiaridade dos espumantes do Estado, e em especial da Serra, é o solo e o formato do relevo. Ele é como um curinga para a produção de uvas, pois em uma área pequena pode variar entre 800 metros e 250 metros sobre o nível do mar. Isso faz com que nós, produtores, possamos aproveitar cada microterroir e extrair o máximo de benefícios – analisa Scortegagna.
O diretor executivo da Associação Brasileira de Sommeliers e sensory manager do Centro Italiano de Análise Sensorial, Marcelo Vargas, elucida que o reconhecimento internacional da bebida feita no país é recente. Ainda que a produção nacional deste tipo de vinho tenha se iniciado há mais de cem anos, no espaço industrial da Vinícola Armando Peterlongo, foi somente no século 20 que ela começou a se popularizar.
– Por muito tempo, o foco dos produtores locais era em tintos intensos, mas, agora, há maior conhecimento dos produtores sobre espumantes de outros tipos. Hoje, entendem essa bebida como produto de grande potencial e direcionam maior atenção e cuidado na produção – analisa.
Vargas também explica que as bebidas que refletem a identidade e o espírito do povo brasileiro fazem sucesso no Exterior. O especialista argumenta que os espumantes nacionais têm características próprias e que os produtores empregam métodos diferentes – charmat, champenoise ou tradicional e asti.
– Os produtos que mais chamam atenção fora daqui são os leves, frescos e frutados, não aqueles de maior tempo de amadurecimento e intensidade, como muitos pensam – finaliza.
MERCADO EM CRESCIMENTO
A indústria brasileira de espumantes se desenvolveu com um crescimento quantitativo e qualitativo. De janeiro a junho de 2018, as vendas superaram as de outros tipos de vinhos no mercado interno. Dentro do país, o comércio de espumantes atingiu 4,3 milhões de litros no primeiro semestre do ano, valor quase 10% maior em comparação ao mesmo período de 2017. Já as exportações da bebida cresceram 61,21% em volume, ante 37,44% dos vinhos em geral. Para Marcelo Vargas, uma das principais razões para esses índices é o entendimento cada vez maior da população sobre a bebida.
– Espumantes são muito versáteis, podendo ser aproveitados em diferentes ocasiões. Podemos afirmar que são vinhos curingas para harmonização. O Brasil é um país tropical, com verões quentes, então, nossos produtos são ótimas opções para os dias de calor – comenta.
Assim como outros setores agrícolas, a viticultura sofre com variações de safra de um ano para outro. No que diz respeito a 2018, Edegar Scortegagna afirma que não há motivos para lamentações, pois a colheita foi histórica, o que também auxiliou no aumento das vendas.
– A safra deste ano está entre as três me lhores de todos os tempos devido ao bom comportamento do clima, à tecnologia nas vinícolas e à maturidade dos enólogos. Quando se fala em alta qualidade, é porque se conseguiu produzir com excelência vinhos de todos os tipos. Tudo veio a favor e em alta velocidade para o espumante brasileiro – aponta.
Nos últimos 10 anos, a indústria responsável pela bebida amadureceu em tecnologia, tanto no vinhedo quanto nas vinícolas, com a aquisição de novos equipamentos para a produção. Além disso, o avanço em pesquisas nos campos prático e teórico permitiram avanços.
Por exemplo, a maior facilidade da eleição de variedades de uva, o que permite qualidade do vinho base utiliza para fazer espumantes. Contudo, ainda há oportunidades e mercado para conquistar. O desafio dos produtores é ser mais competitivo em preços e em ações de comunicação, para informar aos consumidores fora do país sobre o estilo e o perfil dos nossos produtos. Também é necessário ter maior consistência na produção, para ganhar confiança dos compradores estrangeiros.
– Precisamos continuar fazendo uma promoção focada nacional e internacionalmente. Acredito que, se conseguirmos baixar a tributação e tornar o produto mais popular e acessível a todos, certamente seria muito mais fácil de lidar com isso – comenta Scortegagna sobre as ações que podem ser realizadas para tornar as bebidas brasileiras ainda mais conhecidas.
CAPITAL NACIONAL DO ESPUMANTE
Enquanto Gramado e Canela são comumente lembradas como centros turísticos da região serrana do Rio Grande do Sul, o destino para quem busca conhecer mais sobre espumantes é Garibaldi. O pequeno município com pouco menos de 35 mil habitantes, ruas calmas e um centro charmoso repleto de casarões históricos é conhecido como a Capital Brasileira do Espumante. Não que seu terroir seja completamente diferente daquele de seus vizinhos, mas a história e a qualidade da bebida garibaldense fazem valer o título: a produção de espumantes no Brasil teve início na cidade, em 1913, com o imigrante italiano Manoel Peterlongo.
Conforme o ex-presidente da Associação Brasileira de Enologia e fundador da Casa Pedrucci, Gilberto Pedrucci, o reconhecimento internacional do município é um fator de orgulho para os produtores locais e abre muitas oportunidades no mercado especializado. Contudo, também representa uma grande responsabilidade.
– Estar em Garibaldi é um charme, mas há um compromisso muito maior com a história. O produtor daqui nunca está sozinho. Eu, por exemplo, me sinto parte de um todo, porque não adianta a minha empresa estar bem, mas outra vinícola aqui do lado estar mal. É preciso que todos tenham uma imagem positiva perante os consumidores – avalia.
Esse senso de coletividade é materializado no Consórcio dos Produtores de Espumantes de Garibaldi, uma iniciativa pioneira no setor que padroniza a qualidade internacional no produto e que confere ao município a sua identidade. O projeto surgiu em 2007 com o objetivo de fazer frente à concorrência de outras regiões e implementar um estímulo à qualidade do produto local. O projeto une empresas de pequeno e grande porte, que têm suas instalações certificadas e aprovadas para a elaboração da bebida, conforme especificações que garantem para o consumidor o cuidado na elaboração e nos ciclos de produção.
Além disso, a produção de vinhos finos e espumantes na região do Vale dos Vinhedos – formado por Bento Gonçalves, Monte Belo do Sul e Garibaldi têm registro de Indicação de Procedência (IP), que diz respeito a um local que se tornou conhecido por produzir, extrair ou fabricar determinado produto ou prestar certo serviço. Por sua condição de destaque no cenário nacional e buscando incentivar o turismo na região, Garibaldi recebe a cada dois anos a Festa do Espumante Brasileiro (Fenachamp), evento por onde passam cerca de 70 mil pessoas. Outra iniciativa que enaltece o município é a Rota dos Espumantes, um roteiro com 20 vinícolas nas quais o público pode revisitar a história da bebida, assim como acompanhar as técnicas de elaboração charmat e champenoise, participar do processo de engarrafam ento e aprender a degustar.
Além de Garibaldi, outras cidades do Estado são conhecidas pela fabricação da bebida. Pinto Bandeira, por exemplo, também tem a Indicação de Procedência e pode se tornar a primeira região fora da Europa com a certificação de Denominação de Origem de espumantes. Independentemente da região, na hora de escolher o seu rótulo nas prateleiras do mercado ou em lojas especializadas, valorize os brasileiros e apoie o desenvolvimento da indústria nacional.
COM O SABOR DO NORDESTE
Esqueça as praias do Nordeste brasileiro e imagine parreiras espalhadas por várias cidades do interior. Esse cenário, à primeira vista impensável, é uma realidade na região do Vale do São Francisco, formado pelos municípios baianos de Casa Nova, Curaçá, Juazeiro e Sobradinho e pelas cidades pernambucanas de Petrolina, Lagoa Grande, Orocó e Santa Maria da Boa Vista. O local tem ganhado destaque em nível na cional na produção de espumantes.
No mundo, é a única zona que produz duas safras de uvas por ano: de mesa e para a produção de sucos e vinhos. A região tem cerca de 170 hectares de vinhedos nas quais são cultivadas mais de 25 variedades da fruta, como a Syrah e Moscatel. Os moscatéis, geralmente com adição de açúcar, são uma especialidade da região e e tornam cada vez mais conhecidos pelo consumidor brasileiro.
Os projetos vitivinícolas por lá começaram em 1980, com investimentos de empresas como a Fazenda Ouro Verde, controlada pelo Miolo Wine Group, e o grupo português Dão Sul. As fazendas ficam a cerca de uma hora de carro do centros das cidades que compõem a região.
* Conteúdo produzido por Eric Raupp