Não é segredo algum, entre os frequentadores de teatro, que o santista Daniel Colin é um dos atores mais talentosos a despontar no Rio Grande do Sul na última década. À frente do grupo Teatro Sarcáustico, que comemora 10 anos com uma série de remontagens em Porto Alegre, ele tem ajudado a revigorar a cena gaúcha com ousadia e ironia.
Viral, o novo espetáculo do grupo, que teve duas sessões de pré-estreia no fim de semana passado, na sala Álvaro Moreyra, é a ocasião perfeita para Colin demonstrar seu virtuosismo. Trata-se de um one-man show em que interpreta mais de 10 personagens em cenas que compõem, aos poucos, quadros de uma mesma história. Ao final, há uma revelação. Para não estragar a surpresa, basta dizer que há dois personagens principais: de um lado, o garoto Tony, que tem uma iniciação sexual traumática por causa do pai e que é chamado de efeminado pela mãe; de outro, a modelo Carmen, que hostiliza a enteada por estar acima do peso e participa de um reality show do qual sai perdedora.
A dramaturgia é assinada por Colin, inspirado livremente nos romances do americano Chuck Palahniuk (autor de Clube da Luta, que virou filme homônimo com Brad Pitt e Edward Norton). O texto é, acima de tudo, característico do Teatro Sarcáustico, combinando crítica social com um humor sardônico que flerta com o politicamente incorreto - há piadas envolvendo aids e câncer.
Em direção compartilhada com Denis Gosch, Colin está em cena sentado atrás de um balcão. Mas é impossível sofrer de tédio: ele se mexe o tempo todo, faz caretas, se contorce e cai da cadeira. Sai-se muito bem como ator e dramaturgo. O texto tem diálogos bem construídos, às vezes cruéis e outras vezes hilários (ou, ainda, as duas coisas ao mesmo tempo), que o próprio interpreta com raro senso de timing. Isso já justifica o investimento de tempo e de dinheiro do espectador neste espetáculo que é, talvez, o mais intimista já criado pelo Sarcáustico - embora intimismo não seja a primeira palavra que vem à mente de quem assiste a este solo deliciosamente extravagante.
Há que se ressaltar, no entanto, aspectos que não correm bem. O vídeo projetado na frente do balcão como uma espécie de prólogo, em que Colin elabora uma tese sobre o conceito de vírus, parece descolado da peça em si, o que me levou a questionar se a metáfora do "viral", presente no título, é realmente a mais pertinente para ilustrar a trama encenada. Por causa da falta de contraste na projeção, um outro vídeo que mostra um bicho da goiaba em atividade perde o sentido: é impossível distinguir o bicho na imagem.
Precisam ser afinadas as duas sequências em que Colin "dialoga" com um personagem cujas falas são projetadas no balcão, simulando um chat virtual. Pelo menos na primeira noite da pré-estreia, a equipe técnica teve dificuldade em sincronizar a projeção com o tempo da ação, prejudicando a performance do ator. Às vezes, era difícil ler o que estava escrito por causa das letras pretas sobre fundo azul.
A iluminação criada por Claudia de Bem, fixada no balcão onde o próprio Colin a opera, distingue os personagens e as cenas de maneira eficaz, e o figurino assinado pelo ator - um macacão de proteção individual retrabalhado com múltiplas cores - segue a metáfora do título.
Intimista
Opinião: Solo cruel e hilário valoriza o talento múltiplo de Daniel Colin
Inspirada livremente na obra de Chuck Palahniuk, a peça "Viral" teve pré-estreia em Porto Alegre
Fábio Prikladnicki
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